E se Trump
desligar a internet?
Crescemos a ouvir que o Estado assenta em três
poderes fundamentais e separados. E, de facto, eles existem e são
constitucionalmente reconhecidos em quase todos os Estados mundiais.
No final do século passado, os media começaram a
receber esse estatuto. A investigação jornalística, isenta e bem paga,
permitiu erguer um novo pilar de poder na base do Estado, ou da
sociedade, se quiserem. Aos poucos, a internet e os seus utilizadores
livres têm assumido um papel de coliderança na formulação de opiniões e
na denúncia de crimes. Grupos como os Anonymous ou a WikiLeaks têm
assegurado esse desiderato.
Amanhã toma posse um homem que despreza os valores mais fundamentais
da sociedade, que é indiferente ao establishment no seu país e ao
equilíbrio de poderes mundiais.
Trump não teme os media porque os despreza e porque, de certa forma,
acha que os pode controlar. Trump aparenta não temer nada exceto uma
coisa: a internet, ou melhor, os utilizadores livres da internet e que a
dominam. O grupo Anonymous já declarou guerra a Trump, afirmando que
este se vai arrepender nos próximos anos. Poderá Trump contornar esta
ameaça?
A internet tem sido um pilar fundamental da política dos Estados
Unidos desde a sua criação, na década de 90. Trump tem vindo a deixar
pistas deste seu temor e uma vontade inequívoca de o combater: “We’re
losing a lot of people because of the internet (…) We have to talk...
about, maybe in certain areas, closing that internet up in some way.” O
que propõe é a filtragem da internet, de forma aberta e descarada. Os
seus antecessores também o fizeram? Sim, mas só graças a Snowden o
sabemos agora.
Pode Trump desligar a internet? Criar uma grande firewall? Pode! E pode não precisa do Congresso para o fazer.
A secção 606 da Lei de Comunicações de 1934, dos Estados Unidos,
prevê a possibilidade de aplicação de medidas de emergência que permitam
o controlo das instalações de comunicações. Basta que o presidente
declare que há uma ameaça de guerra ou “um estado de perigo público”.
Esta possibilidade foi confirmada, em 2010, num relatório do Senado que
concluía que a secção 606 “dá ao presidente a autoridade para assumir as
comunicações nos Estados Unidos e, desta forma, fechar redes de
telecomunicações”.
Não é de agora. Já Joseph Lieberman (senador independente) tentou
criar um “internet kill switch” em 2010. Também o FCC (regulador das
comunicações) tentou usar a sua autoridade para impor a neutralidade de
Rede, que basicamente permite discriminar tráfego, entretanto negada
pelos tribunais.
É mais uma frente que Trump abre e talvez a mais perigosa. Demonstra o
desprezo que tem pela sociedade e pela liberdade de expressão. E remata
com “Somebody will say, ‘Oh, freedom of speech, freedom of speech.’
These are foolish people”.
A internet é uma ferramenta fundamental de desenvolvimento humano.
Espero que as “foolish people” deste mundo mostrem a Trump que há
limites para tanta insolência!
IN "i"
19/01/17
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