18/01/2017

FERNANDA CÂNCIO

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Sexo, piscinas e educação

Era uma vez duas meninas de 7 e 9 anos a viver na Suíça e a frequentar a escola pública. Os pais delas, achando que metê-las numa piscina com rapazes era um atentado à honra das gaiatas, barraram-lhes as aulas de natação. Multados pelas autoridades, foram para tribunal, alegando que a sua liberdade de consciência e religião e o seu direito de educar as filhas de acordo com as suas convicções estavam a ser postos em causa.

A litigância chegou ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que esta semana decidiu. Contra os pais das meninas e a favor do Estado suíço, estabelecendo que "o interesse das crianças numa escolarização completa, que permita a integração social bem-sucedida de acordo com os usos e costumes locais" justifica aquilo que admitem ser uma "interferência na liberdade de religião" dos pais.

Era uma vez a Conferência Episcopal Portuguesa - a assembleia de bispos católicos do país - que, no mesmo dia em que foi conhecida esta decisão do TEDH, veio a público exprimir o seu desacordo com um documento do Ministério da Educação que constitui uma espécie de roteiro indicativo para as escolas, do pré-escolar ao secundário, sobre educação para a saúde.

Dizem os bispos que o documento "não respeita o direito dos pais à educação dos filhos". E porquê? Por causa da "inclusão do tema do aborto, no tom que é dado". Que tom é esse o porta-voz dos bispos não explica; mas informa que estes apoiam uma petição online intitulada "Aborto como "educação sexual" em Portugal? Diga não". Depreende-se então que o "tom" que indigna os prelados é esse: o de uma educação sexual através do aborto.

Que raio quererá tal coisa dizer? Infelizmente sem menção de autoria, o texto da petição esclarece que se trata da "apresentação do conceito de aborto e das técnicas abortivas a crianças de tenra idade" e de "ensinar a crianças que é legítimo e justo matar bebés no ventre materno", proclamando: "Não se vislumbra outra intenção senão a de doutrinar desde a infância, numa ação equivalente às dos regimes totalitários. O Estado não pode tomar o lugar dos educadores!"

Ora o que se vislumbra no documento citado é que em 79 páginas que abordam desde saúde mental a alimentação, passando por comportamentos aditivos, afetos e educação para a sexualidade, a única menção à interrupção da gravidez está na 77.ª, no capítulo "Maternidade e paternidade responsável". Aí propõe-se que a partir do 2.º ciclo do básico (mais de 10 anos) se possa explicar a distinção entre interrupção involuntária e voluntária da gravidez. E é tudo.
Não há, obviamente, motivo para histeria - mas o que os bispos e os pais aliados dos bispos querem, como sempre quiseram desde a primeira vez que na lei portuguesa se falou de educação sexual nas escolas, em 1984, é tentar convencer as pessoas de que está em causa pôr os miúdos a ter sexo uns com os outros "desde tenra idade" e agora também a abortar (já agora).

Haver quem, como estas pessoas e os pais das meninas da Suíça, evidencia uma tão malsã obsessão com todas as matérias relacionadas com sexo e uma tal fixação no controlo da informação que as crianças podem ter sobre elas é a mais eloquente defesa da educação sexual e para a igualdade de género nas escolas.


É desejável que a escola pública entre em choque com os fundamentalismos religiosos. Faz parte das suas funções essenciais garantir o livre desenvolvimento da personalidade das crianças, encorajando-as a pensar pela sua cabeça, a serem autónomas, a compreender o mundo e os princípios do Estado em que vivem e a decidir aquilo em que acreditam com base na mais vasta e rigorosa informação disponível. Essa é a receita mais eficaz contra o obscurantismo; ninguém espera que o obscurantismo fique feliz.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/01/17

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