Sexo, piscinas e educação
Era uma vez duas meninas de 7 e 9 anos a
viver na Suíça e a frequentar a escola pública. Os pais delas, achando
que metê-las numa piscina com rapazes era um atentado à honra das
gaiatas, barraram-lhes as aulas de natação. Multados pelas autoridades,
foram para tribunal, alegando que a sua liberdade de consciência e
religião e o seu direito de educar as filhas de acordo com as suas
convicções estavam a ser postos em causa.
A litigância chegou ao
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que esta semana decidiu. Contra
os pais das meninas e a favor do Estado suíço, estabelecendo que "o
interesse das crianças numa escolarização completa, que permita a
integração social bem-sucedida de acordo com os usos e costumes locais"
justifica aquilo que admitem ser uma "interferência na liberdade de
religião" dos pais.
Era uma vez a
Conferência Episcopal Portuguesa - a assembleia de bispos católicos do
país - que, no mesmo dia em que foi conhecida esta decisão do TEDH, veio
a público exprimir o seu desacordo com um documento do Ministério da
Educação que constitui uma espécie de roteiro indicativo para as
escolas, do pré-escolar ao secundário, sobre educação para a saúde.
Dizem
os bispos que o documento "não respeita o direito dos pais à educação
dos filhos". E porquê? Por causa da "inclusão do tema do aborto, no tom
que é dado". Que tom é esse o porta-voz dos bispos não explica; mas
informa que estes apoiam uma petição online intitulada "Aborto como "educação sexual" em Portugal? Diga não". Depreende-se então que o "tom" que indigna os prelados é esse: o de uma educação sexual através do aborto.
Que
raio quererá tal coisa dizer? Infelizmente sem menção de autoria, o
texto da petição esclarece que se trata da "apresentação do conceito de
aborto e das técnicas abortivas a crianças de tenra idade" e de "ensinar
a crianças que é legítimo e justo matar bebés no ventre materno",
proclamando: "Não se vislumbra outra intenção senão a de doutrinar desde
a infância, numa ação equivalente às dos regimes totalitários. O Estado
não pode tomar o lugar dos educadores!"
Ora
o que se vislumbra no documento citado é que em 79 páginas que abordam
desde saúde mental a alimentação, passando por comportamentos aditivos,
afetos e educação para a sexualidade, a única menção à interrupção da
gravidez está na 77.ª, no capítulo "Maternidade e paternidade
responsável". Aí propõe-se que a partir do 2.º ciclo do básico (mais de
10 anos) se possa explicar a distinção entre interrupção involuntária e
voluntária da gravidez. E é tudo.
Não
há, obviamente, motivo para histeria - mas o que os bispos e os pais
aliados dos bispos querem, como sempre quiseram desde a primeira vez que
na lei portuguesa se falou de educação sexual nas escolas, em 1984, é
tentar convencer as pessoas de que está em causa pôr os miúdos a ter
sexo uns com os outros "desde tenra idade" e agora também a abortar (já
agora).
Haver quem, como estas pessoas e os pais das meninas da Suíça,
evidencia uma tão malsã obsessão com todas as matérias relacionadas com
sexo e uma tal fixação no controlo da informação que as crianças podem
ter sobre elas é a mais eloquente defesa da educação sexual e para a
igualdade de género nas escolas.
É desejável que a escola pública entre
em choque com os fundamentalismos religiosos. Faz parte das suas funções
essenciais garantir o livre desenvolvimento da personalidade das
crianças, encorajando-as a pensar pela sua cabeça, a serem autónomas, a
compreender o mundo e os princípios do Estado em que vivem e a decidir
aquilo em que acreditam com base na mais vasta e rigorosa informação
disponível. Essa é a receita mais eficaz contra o obscurantismo; ninguém
espera que o obscurantismo fique feliz.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/01/17
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