07/01/2017

ANÍBAL STYLIANO

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Futebol nacional, 
o que te querem fazer?

Em 1997, numa entrevista a um jornal, surgiu um pequeno texto que nunca mais esqueci:

“Somos um povo de heróis e não de campeões,
um povo de sonhos e não de objectivos,
um povo de momentos e não de planos,
um povo de repentes e aventuras
e não de estratégias e de paciência.” 

(António Pinto Leite)


De facto, o nosso país, na sua rica e vasta história, continua a manter traços que o tempo não consegue superar.
Seja na política (Educação, Saúde, Segurança Social, etc.), seja no desporto, na arte, na investigação, na cultura e em muitos outros domínios, há traços comuns: ausência de planos adequados e competentes e a presença de personagens que se preocupam preferencialmente com o imediato e promoção própria: criar uma “reforma” que perpetue o seu nome. Engano e desperdício ancestral.
Tem sido assim que se cultiva o injusto esquecimento dos maiores talentos deste país, desde tempos muito antigos (Camões, Gil Vicente, Pedro Nunes, Garcia da Orta, Bocage, Pessoa e tantos outros, por mera inveja ou ignorância) e se mediatizam “figurões” que deixam para gerações seguintes unicamente desperdícios, dívidas e vaidades ocas, como a sua marca de incapacidade, por vezes de inimputabilidade, entre outras mais que nem referência merecem.

Janeiro de 2017: O futebol português, que é campeão europeu, que tem obtido sucessivos títulos coletivos e individuais, a nível global, volta a passar por um momento triste, lamentável mas perfeitamente previsível.
E muito mais previsível a partir da governamentalização do movimento associativo desportivo e do respetivo Regime Jurídico em vigor.
Os títulos da comunicação social divulgam que foi ativado o plano para proteger a segurança dos árbitros de futebol.
Ameaças, riscos de segurança, boicotes, desentendimentos entre entidades que tutelam o futebol e o preocupante silêncio de outras que já se deviam ter pronunciado.
No futebol, há sempre um jogo de emoções e paixões que extravasa a razoabilidade. No campo, no estádio, vive-se intensamente cada momento, de uma forma irrepetível, por isso sedutora.
Apreciam-se os talentos e os momentos de genialidade dos jogadores e dos treinadores (comprovadamente dos melhores do mundo).
Para o jogo decorrer com a magia que se deseja, a equipa de arbitragem é essencial: função exigente, complexa, sempre pressionada e naturalmente sujeita às falhas da condição humana.
Por isso mesmo, a formação de árbitros é tarefa complicada, morosa e que carece de formação permanente.
Se há setor onde a notícia significa algum desequilíbrio é na arbitragem: sem referências, é sinal de excelência.
A concorrência das televisões (com exagero de repetição de imagens) e dos jornais aporta uma pressão sempre maior, bem como favorece a ação de lóbis que não beneficiam o futebol.
Fundamentalismos, acusações gratuitas e outras mais fundamentadas, favorecem condições para colocar “tudo no mesmo saco” e para universalizar injustamente teorias de conspiração (que certamente também poderão existir), criando elevadas tensões.
Ouvem-se ex-árbitros a “jogarem” contra ex-colegas, multiplicando acusações e insinuações que não prestigiam ninguém.
Por outro lado, cada presidente do Conselho de Arbitragem da FPF parece imbuído de fervor renovador e muda regras (mesmo que com eventuais boas intenções) que acabam por se revelar grandes erros de casting.
Depois, o respetivo presidente do Conselho de Arbitragem anuncia critérios para atingir a internacionalização (sempre discutíveis porque limitados) que acabam por permitir que árbitros sem grande experiência, dificilmente consigam estabilidade emocional perante jogos mais mediáticos.
Por isso, são chamados “árbitos de proveta ou de aviário”, dado o número reduzido de jogos que têm dirigido e sem experiência nos chamados “grandes jogos”, com uma pesada carga emocional.
Como é possível atingir a 1.ª categoria sem a devida experiência? Não se trata de uma questão de “sorte ou azar”!
Assim, nunca se protegem devidamente os árbitros, bem pelo contrário, potenciam-se abandonos e afugentam-se eventuais candidatos.
Os árbitros nunca podem ser “apostas” mas sempre “certezas” de competência, de coerência, de equilíbrio, que mesmo assim, naturalmente podem errar.
Com força mental, com desenvolvimento de competências comportamentais, conseguem superar falhas e encontrar o caminho de um desempenho adequado e eficiente.
Quem nunca apitou um jogo não faz a mínima ideia das dificuldades que se apresentam, nem as capacidades que são necessárias. Façamos um simples exercício de imaginação sobre tudo o que envolve um dos jogos “mais mediáticos”…

Quem assume o papel de liderar a arbitragem tem de ser um exemplo de consistência e de conhecimento sólido: uma referência para todos.
Um árbitro demora anos a atingir patamares elevados e necessita de um enorme acompanhamento individualizado.
Depois, a designação para os jogos deve atender a uma progressão cuidada em função das suas capacidades. Apostar na “sorte” nunca dá bom resultado… bem pelo contrário.
Custou-me ver posições divergentes e falta de diálogo entre os presidentes do Conselho de Arbitragem da FPF e da Liga, tanto mais que são dois ex-ábitros.
Há também outra realidade que não pode ser esquecida: há gerações melhores e outras piores. Mas se a formação for consistente e cativante, não faltarão talentos para potenciar um qualificado trabalho e acompanhamento adequado, inclusive a nível distrital. Garantir sempre a segurança, é imprescindível. Lideranças competentes, precisam-se a vários níveis.

Não aprecio ver/ouvir acusações e insinuações entre ex-árbitros…
Há ainda alguns pormenores que não podem ser menosprezados:

- Assistimos a uma maior competitividade, fruto do trabalho desenvolvido por todos os clubes, por treinadores menos divulgados, que faz diminuir as diferenças e aumentar bastante a incerteza dos resultados.
Hoje, os chamados “Clubes Grandes” têm de mostrar em campo a sua qualidade, de forma evidente e cada vez mais difícil.
Há um trabalho excelente da generalidade dos treinadores nacionais (ainda sujeitos a um regime de formação que vai ter de mudar em breve para se acabar também com o desprestigiante “negócio dos créditos” e “dupla certificação).
É indispensável que a comunicação social saiba valorizar o trabalho de todos os que merecem.
Não é só o clube X que perde, mas é também e especialmente o clube Y que ganha!

- Assistimos também a vários programas onde a discussão de “fervor clubista” atinge tamanhas proporções e desequilíbrios que promovem uma crispação e suspeição sobre arbitragem que aumenta a carga emocional e cria divisões, cada vez mais profundas, que favorecem fundamentalismos e “uma guerra contínua”, passando ao lado do essencial: da análise objetiva do jogo. Embora a “guerra” esteja sempre latente…

- A formação de dirigentes desportivos (ou mesmo um estatuto específico) continua a ser um enorme deserto, um universo sem grande “crédito”, numa área que cada vez mais tem de se qualificar, para poder superar os constantes desafios e dificuldades.

- Finalmente, temos de reconhecer que tem havido muitos erros de arbitragem que são graves e contínuos, mudanças à última da hora de elementos das equipas de arbitragem sem grande cuidado, uma falta de liderança que não se deve impor exclusivamente ao pedir aumento de penalizações para dirigentes e treinadores, mas ser mais exigente e competente na formação e nomeação dos árbitros.
Continuo a pensar que passar despercebido é um sinal de excelência para qualquer juiz, desde que a decisão seja justa e a possível naquelas condições.

- Em momentos decisivos, que carecem de orientação equilibrada e sensata, há silêncios das entidades que tutelam o nosso futebol que são muito preocupantes, porque podem revelar insuficiências graves ou dependências e desígnios escondidos.

Certamente que existirão falhas em todos os intervenientes num jogo de futebol (do treinador ao jogador, do dirigente ao árbitro) contudo, é importante que todos saibam integrar com responsabilidade uma atividade única pela qual vale a pena lutar.
Nem todos podem vencer, mas todos podem dar sempre o seu melhor.
A perfeição, felizmente, nunca existirá e será um destino a perseguir num caminho imparável… Assim se pode aperfeiçoar sempre.

Cuidemos do nosso fantástico futebol a todos os níveis, em todas as competições, em todos os escalões, para podermos manter o futebol português ao melhor nível e com o orgulho de todos nós.
Conhecer, compreender e colaborar para o desenvolvimento de um jogo cada vez melhor, é tarefa importante, necessária e louvável.

Não deixemos que ninguém prejudique o futebol de que tanto gostamos…


*Professor licenciado em História; treinador de futebol nível IV UEFA Pro Licence; diretor pedagógico da Associação de Futebol do Porto; membro da comissão de formação da Federação Portuguesa de Futebol e do conselho consultivo da Associação Nacional de Treinadores de Futebol.

IN "A BOLA"
06/01/17

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