Posta em sossego à força!
A coleção que uma longa batalha judicial conseguiu subtrair à fúria mercantilista do anterior governo.
Aí está ela, posta em sossego e à vista de quem
quiser visitá-la, na Casa de Serralves – desde o passado dia 1 de
outubro e até 28 de janeiro p.f. –, a coleção Joan Miró, pertença do
Estado português após a nacionalização do Banco Português de Negócios
(BPN) em 2008. Está no Porto e no Porto ficará definitivamente – depois
das necessárias obras de adaptação em Serralves. A coleção que uma longa
batalha judicial conseguiu subtrair à fúria mercantilista do anterior
governo, apostado no ver-quem-dá-mais – ou nem isso... – de tudo quanto
lhe parecesse capaz de render dinheiro. Em nome do superior interesse
pátrio, do respeito escrupuloso dos ditames da troika, a bem-aventurada
que nos iria resgatar da bancarrota e condenar à pobreza controlada para
não mais vivermos acima das nossas possibilidades, Portugal devia
despojar-se de toda a riqueza que pudesse ser transformada em bens
transacionáveis, a bem dos mercados e... da tal “saída limpa”, e que
limpa! Viu-se!
Não passar a patacos a coleção Miró esteve longe de ser uma decisão
consensual, pois o dinheiro resultante das obras mercadejadas havia de
servir para tapar algum buraco nas contas públicas, e as obras de arte,
além do mais, não servem para encher a barriga a ninguém e em Portugal
há quem
não tenha o suficiente para comer. E muitos a quem a maldita crise
que nos tolheu lançou no desespero. Pois! Bem haja quem se atravessou no
caminho dos bufarinheiros da pátria!
Se a arte não enche barriga, o que é discutível, o medo matará a
fome? Também não é previsível, todavia acontece. Os últimos relatos
vindos de Alepo, a cidade mártir que o regime sírio quer retomar sem
olhar a meios nem a vidas, dão conta da inimaginável condição dos
milhares de civis encurralados nos escombros da guerra que
desesperadamente procuram refúgio, sem saber como nem onde. A anunciada
trégua que os inefáveis amigos russos de Assad deram por garantida
aumentou o banho de sangue, já que os combates prosseguiram, porventura
mais ferozes. É incalculável o número de vítimas, mas sabe-se que
muitas, mesmo muitas, são crianças! Os depoimentos dos refugiados que
nos chegam – e nem é bom falar dos refugiados que já chegaram à
democrática, cristã e solidária Europa... – são de estarrecer: não há
medicamentos, não há água, não há eletricidade, não há alimentos, nada!
E... “o medo tira-nos a fome”! Vergonha!
É este o mundo que aguarda o novo secretário-geral das Nações Unidas
(ONU). António Guterres prestou juramento, na passada segunda- -feira,
na Assembleia-Geral da ONU, cujo presidente, Peter Thomson, afirmou
estarmos perante “um líder para este tempo quando temos de transformar o
mundo para ser um melhor lugar para todos”. Palavras de circunstância,
elogios a rodos, mesmo para o desenxabido Ban Ki-moon, felizmente de
saída. Guterres toma posse no próximo dia 1 de janeiro.
Oxalá o deixem pôr-se em sossego, mesmo que seja à força! O mundo não
vai mudar porque vai entrar em cena um novo senhor da ONU. O mundo pode
mudar se alguém conseguir mudar a ONU. E isso não é tarefa de um homem
só.
* Gestora
IN "i"
14/12/16
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