"Será que os androides
sonham com ovelhas elétricas?"
Um dos temas económicos mais polémicos dos últimos anos é o abrandamento do crescimento económico. Existem vários campos: uns situam a desaceleração económica na estagnação secular, caracterizada por insuficiência de procura, designadamente de investimento.
Por essa razão, defendem o incremento do investimento público,
designadamente em infraestruturas, educação e saúde. Noutro campo,
encontram-se os que explicam o arrefecimento com falhas de oferta,
justificando a queda de investimento com menor necessidade de capital
associada a inovações e ao menor acréscimo de produtividade gerado por
nova onda de alterações tecnológicas.
Será fácil concordar
que a introdução do motor de explosão fez mais pela produtividade do
que a proliferação do uso da internet. Contudo, o mundo está a mudar e
será interessante estudar como os ganhos de produtividade serão aferidos
no futuro. Detenhamo-nos nos mais recentes desenvolvimentos
tecnológicos. Em termos de inovação, ouve-se crescentemente falar de
inteligência artificial, algoritmos ou máquinas com autoaprendizagem,
digitalização de serviços financeiros.
Em
países como a China ou o Quénia, os serviços financeiros dão
interessantes passos em frente. No Quénia, os particulares podem
subscrever produtos financeiros através do telemóvel, não carecendo de
abertura de conta num banco. A sua conta na operadora de
telecomunicações funciona como conta bancária, onde é realizado o
serviço de custódia de títulos ou reside o microcrédito. A atribuição de
notação financeira a um cliente é baseada na informação disponível
enquanto cliente de serviços de telecomunicações e o empréstimo assume a
forma de saldo na conta do telemóvel podendo ser repassado para
terceiros como forma de pagamento. Na China, a disseminação do crédito
ao consumo assenta em fornecedores de serviços eletrónicos. O maior
sítio chinês de compras disponibiliza um cartão de crédito virtual que
agiliza compras online. O limite do cartão e as taxas associadas
dependem da qualidade creditícia do seu detentor, a qual é determinada
pela informação derivada da atividade do prospetivo detentor do
cartão/cliente nesse sítio. Outros fornecedores de avaliação creditícia
de particulares na China são empresas de jogos ou de social media
online.
Quase nos antípodas, a capacidade de processar
volumes avassaladores de informação ou a existência de algoritmos que
aprendem sozinhos está a mudar a face da tradicional banca de
investimento. Grande parte das transações financeiras passou a ocorrer
em plataformas eletrónicas, sendo ditada por ordens automáticas
inseridas no sistema por algoritmos. Deste modo, garante-se eficiência,
igualdade de tratamento e transparência na formação de preços, embora se
torne o sistema potencialmente mais propenso a movimentos em dominó ou
cascata, ampliando períodos de acentuada volatilidade. A indústria de
fundos de investimento corteja a possibilidade de, a prazo, a
intervenção humana ser reduzida, substituída por redes neuronais de
última geração (ou algoritmos com capacidade de autoaprendizagem).
Segundo promotores desta tendência, neste universo, qualquer coisa que
um humano possa fazer poderá ser mais bem feito por inteligência
artificial. Mesmo os acontecimentos mais inesperados podem ser
antecipados e absorvidos, gerando estratégias de investimento coerentes
com estes eventos não-antecipados.
Outros líderes
industriais mundiais estão a olhar para a inteligência artificial,
desenvolvendo equipamentos que exploram a aplicabilidade desta
tecnologia. Perfilham que tais desenvolvimentos forçarão as empresas a
deslocar-se de uma lógica centrada no produto para uma perspetiva
dedicada ao ser humano.
No futuro próximo, ao alcance de
um dedo apenas, ter-se-á crédito, roupa, alimentos, e investimentos
selecionados a pensar num ser humano melhorado. E a ciência económica,
como incorporará estes desenvolvimentos na sua análise? Que impacto
terão na medida da produtividade? Possivelmente, a avaliação dos ganhos
de crescimento económico progredirá de uma lógica estrita de
produtividade para uma perspetiva de bem.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
08/12/16
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