Ninguém gosta de funerais
Um Governo governa e uma Oposição opõe é
uma "lapalissada" quase tão grande como estar vivo é o contrário de
estar morto. Mas no costumeiro mundo da política lusitana, em que tudo é
reduzido à dicotomia argumentativa do preto e branco (quem não está
comigo está contra mim), esta evidência não é consensual. Porque temos
uma Oposição agrilhoada num discurso que já ninguém quer ouvir. E um
Governo cujo triunfalismo de ação vai sendo adubado precisamente por
esse vazio de alternância.
Quem, no seu perfeito juízo, deseja apoiar os
portadores das más notícias quando o rasto deixado por aqueles que nos
governam é um longo e contagiante manto de otimismo suportado nos
números?
A dívida pública aumentou para valores históricos e a economia continua refém da bondade de uma agência de notação financeira que nos vai segurando as pontas no acesso aos mercados. Mas estes dados, que são estruturantes na definição do nosso futuro - e que atravessam os tempos de vida de vários governos -, parecem ter sido reduzidos à condição de males menores, pulverizados por uma bem sucedida estratégia de uma--maioria-que-está-prestes-a-cair-mas-não-cai. Em pouco mais de um ano, António Costa transformou a figura do "não há alternativa" num cadáver ambulante.
Há que reconhecer o
mérito a quem conseguiu fazer da realidade um regaço morno para evoluir.
Já não há cortes, mas devoluções; a economia cresce, Bruxelas engoliu o
sapo e deu positiva ao aluno que era mau e agora é aplicado e
inventivo; já lá vão dois orçamentos sem reparos constitucionais; o
défice está magro como nunca; o desemprego tomba e até os milionários
floresceram na vigência da "geringonça": mais 1300 num ano, provando que
a ideologia do dinheiro é a de sempre. O lucro.
Volto
ao princípio. Se um Governo governa, é suposto uma Oposição opor. Mas o
que temos visto é apenas desorientação. Passos Coelho até pode achar
que o seu pragmatismo militante é tão patriótico como o pin que enverga
na lapela, mas esta fórmula de ascensão ao poder falhou redondamente.
Pelo menos por agora. Mais: se algum dia Passos tiver razão, tê-la-á
sempre no contexto de um funeral coletivo. E convenhamos que ninguém
gosta de ir a funerais reconhecer que já se antecipava aquele fim
trágico para o defunto. Insistir num inferno que não esquenta e acenar
com um Diabo que não vem é poucochinho como projeto de alternância.
Um Governo governa, uma Oposição opõe. Aguarda-se o regresso da normalidade.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"23/11/16
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