13/11/2016

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HOJE NO 
"EXPRESSO"
Escolaridade melhora envelhecimento

Estudo sobre população com mais de 50 anos traça retrato da vida em Lisboa, Portugal e na Europa

Elisa abriu uma pequena loja de costura em Lisboa há doze dias. Não conseguia estar parada. Aos 82 anos, com uma vida passada ao balcão de lojas de tecidos e três meses depois de ter decidido deixar de trabalhar, alugou uma antiga loja na rua onde vive há quase 60 anos. O marido é o “moço de recados”, tanto dela como das vizinhas que lhe pedem ajuda para carregar os sacos das compras ou ir à farmácia. Armando, 80 anos, foi motorista durante grande parte da vida e hoje, de vez em quando, ainda pega no carro e segue com a mulher até Viseu, para recordarem outros bons tempos, quando eram novos e a saúde não era um problema.
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Fazem ambos parte de uma geração de portugueses que trabalhou desde muito cedo e que por isso estudou menos. A escolaridade da população portuguesa com mais de 50 anos continua a ser das mais baixas da Europa, mas melhorou nas últimas décadas. E é precisamente no nível de instrução que se encontra uma variável com muito peso na qualidade do envelhecimento, conclui o estudo “Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa: uma perspetiva comparada”, editado em livro pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS), a publicar na próxima semana e coordenado por Manuel Villaverde Cabral, sociólogo e diretor do Instituto do Envelhecimento.

Conclui o estudo que quanto maior é a escolaridade maior tende a ser o envolvimento em atividades sociais, maior a rede de amigos, melhor a perceção do nível de saúde, maior a satisfação com a vida.

“A escolaridade é o fator mais significativo e com mais consequências ao longo de todo o percurso de vida”, afirma Manuel Villaverde Cabral ao Expresso. “A baixa escolaridade das pessoas mais velhas começa por se repercutir imediatamente ao nível do emprego e do rendimento, mais ainda no sexo feminino do que no masculino, projetando-se posteriormente ao longo de todo o curso de vida, nomeadamente na adoção (ou não) de atividades de socialização e manutenção pessoal que constituem o chamado ‘envelhecimento ativo’”.

A diferença atual é que a geração que agora se aproxima da reforma e do envelhecimento tem um nível de escolaridade mais elevado, o que poderá traduzir-se num envelhecimento mais ativo daqui para a frente. “O aumento da informação, nomeadamente acerca da saúde, mas não só, fará com que as pessoas que cheguem no futuro a idades mais velhas lidem com o processo social e cultural de forma mais ativa e, consequentemente, mais positiva para si próprias”, aponta o coordenador do estudo. Mas isso não chega. “É preciso que seja reforçado e reproduzido pelas instituições públicas a cada passo da instrução, da vida familiar e social, bem como do trabalho ou emprego e, sobretudo, da reforma.”

As pensões têm um papel central. São a “parte económica mais decisiva, muito mais do que a questão da saúde, do acentuado processo de envelhecimento da população”, sublinha o sociólogo, considerando-a “a questão fundamental do país”. “Melhor dito, o envelhecimento sociodemográfico é o problema mais sério do país. Entre a segurança social e a saúde, estamos a falar de perto de metade do Orçamento do Estado e, portanto, cerca de um quarto do PIB português.”
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O que dizem os números

O estudo traça um perfil pormenorizado da população com mais de 50 anos a viver em Lisboa, no resto do país e em comparação com a mesma população em Espanha, Suécia e República Checa, com base num inquérito internacional, realizado em 2010-11, confirmando que Portugal tende a aproximar-se da realidade espanhola, ficando abaixo da Suécia, mas melhor do que a República Checa.

Em Portugal, os portugueses acima de 50 anos têm em média dois filhos e não mais do que dois netos (entre os que residem em Lisboa, os números são mais baixos). Portugal e Espanha são os países europeus onde os avós têm menos netos, o que traduz os baixos níveis de reprodução da população do sul da Europa. Dois em cada quatro portugueses acima dos 50 anos estão reformados (52%) e três em cada quatro vivem em casa própria, embora a percentagem de pessoas a arrendar casa (15%) seja superior à média europeia — em Lisboa são ainda mais (37%) e cerca de metade paga rendas mais baixas. A dificuldade em fazer o dinheiro chegar ao fim do mês sente-se mais entre os portugueses do que os europeus e ainda com maior intensidade entre quem vive na capital. A saúde também nos distingue: só 40% da população com mais de 50 anos é que considera ter um estado de saúde ‘bom’, abaixo dos 60% da média europeia.

Villaverde Cabral destaca dois problemas no envelhecimento: a saúde e a sociabilidade. “Há muito a desenvolver em termos de cuidados continuados e paliativos, e de apoios no domicílio”, defende. “E é muito importante distinguir entre a solidão — como causa de depressão e problemas mentais de que a população portuguesa é a mais afetada da Europa — e o facto de a pessoa viver só, que ocorre cada vez mais frequentemente.”

Uma das conclusões, quando olha para a cidade de Lisboa, é a de que quem vive na capital tende a ter condições mais favoráveis do que no resto do país e até mesmo, em alguns casos, do que a média europeia. Contudo, o estudo, que contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, identifica algumas limitações em termos de mobilidade desta população na cidade .

Elisa e Armando Cardoso vivem em Lisboa há mais de 60 anos e reconhecem ter hoje mais dificuldades de acesso a alguns locais. As suas rotinas passam, assim, e sobretudo, pelo bairro onde vivem, até porque o que mais importa, garante Elisa, “é não parar”. Levantam-se cedo, vão ao café, mantêm contacto com os vizinhos, com os quatro netos e com os dois filhos que lhes ligam todos os dias. As clientes que precisam de bainhas e arranjos são até mais do que imaginava. “Não tenho conseguido ter tempo para mais nada.” No pequeno espaço de costuras, o rádio mantém-se ligado, Armando vai entrando e saindo e as clientes vão passando para as provas de roupa ou para perguntar se algum deles quer alguma coisa da Rua Morais Soares, ali perto. “O meu empregado de recados já lá foi hoje.” E Armando confirma: “Se pararmos, envelhecemos mais depressa.”

* Aprender rejuvenesce.

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