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IN "VISÃO"
13/10/16
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A Ordem dos Médicos
Quando comecei o Director do Hospital era um médico e o administrador hospitalar um auxiliar seu, com uma autonomia restrita. Agora são os administradores que detêm a autoridade e os Directores dos hospitais passaram a Directores Clínicos, ou seja meros adjuntos. Os administradores nada sabem de Medicina. Saberão, quando muito, dirigir empresas e os hospitais são tudo menos empresas
Há alturas em que me apetecia tornar a ser médico. Mas não posso:
demiti-me da Ordem, devolvi a cédula profissional e a medalha de oiro
que há anos me deram. Porque razão? Eu tinha quotas em atraso e
ameaçaram-me com um processo. Nem me lembrava das quotas em atraso.
Lembrou-me uma carta da Ordem. O problema não foi a carta mas apenas os
dois pecados mortais que trazia. Em primeiro lugar estava mal escrita,
num tom impertinente que pretendia ser irónico e era apenas parvo, e
tinha erros de sintaxe. O meu pai contava acerca de um professor da
Faculdade de Medicina que disse a um estudante
– Que você tenha chegado ao sexto ano não me espanta. O que me surpreende é como é que fez a quarta classe.
Quando
eu acabei o curso os bastonários da Ordem eram pessoas acima da média.
Lembro-me, por exemplo, do Professor Miller Guerra, do Professor Machado
Macedo, tantos outros. A mesma coisa para as secções Regionais, a mesma
coisa para as pessoas que ocupavam outros cargos. A Ordem tinha muito
prestígio. Depois essas pessoas invulgares foram desaparecendo e a
Ordem, tomada de assalto por mulheres e homens de craveira intelectual e
científica em regra medíocre, deixou de contar com o poder e a
influência efectiva que durante tantos anos foram seus. Não tem
importância alguma e ninguém a ouve. Os sindicatos médicos, que me
parecem outro falhanço, nasceram um pouco disto e também do desejo dos
partidos políticos tomarem conta, para seu uso, da importância social da
Profissão.
Morreram lentamente com a evolução natural dos tempos e o
resultado foi a irreversível desagregação da classe. Seria muito
importante uma Ordem forte, naturalmente impossível com dirigentes
fracos. Criaturas não médicas foram ocupando os lugares dos clínicos.
Quando comecei o Director do Hospital era um médico e o administrador
hospitalar um auxiliar seu, com uma autonomia restrita. Agora são os
administradores que detêm a autoridade e os Directores dos hospitais
passaram a Directores Clínicos, ou seja meros adjuntos. Os
administradores nada sabem de Medicina. Saberão, quando muito, dirigir
empresas e os hospitais são tudo menos empresas.
Fui director, durante
anos, de uma Clínica Psiquiátrica importante, pertencente a uma Ordem
Religiosa. Acabei por os mandar à merda porque quem, de facto, dirigia a
Instituição era um administrador incompetente que se limitava a
obedecer à Irmã Superiora que punha e dispunha, marcava reuniões,
distribuía tarefas, exercia uma autoridade ditatorial. Em certa altura
propus a contratação de um médico. A dita Irmã respondeu-me
– Que horror, um preto nem pensar
o
que revela bem o seu espírito ecuménico. Uma mulher de Deus que diz
isto é uma besta e não merece usar um crucifixo ao peito: merece um
pontapé no cu. Se não morreu ainda lá deve estar, a exigir aos médicos
internamentos mais curtos porque
– A gente precisa de dinheiro
e
claro que a qualidade dos cuidados prestados era má. Não tornei a
pôr-lhes a vista em cima a não ser, muitos meses mais tarde, em tribunal
por causa do exame médico--legal a uma pessoa internada. A Superiora da
Casa e o Administrador vieram estender-me a mão. Mandei-os para o outro
canto da sala de espera a fim de que os dedos me não saltassem da
algibeira
(às vezes saltam, é uma maçada)
E aqueles
energúmenos desapareceram-me da frente. Estes racistas que estariam bem
no Ku Klux Klan ou trabalhando para alguns fazendeiros que conheci em
África, deram à sola que foi uma beleza. Penso que toda essa choldra
continua a exercer na Clínica, formando um bando de idiotas sem
carácter, que vão à missa, comungam e julgam estar de bem com Deus. O
meu pai, que foi médico numa outra Casa da mesma Ordem classificava a
dita freira de
– Um estupor
Ordem religiosa que teve ao
seu serviço mulheres excepcionais e alguns clínicos excelentes, no tempo
em que os médicos ainda detinham alguma autonomia.
E nisto lembrei-me de um cirurgião a falar-me do Serviço de Urgências de certo hospital muito conhecido
– O doente entrou bem mas depois sobreveio-lhe o Banco e morreu.
E
de facto, em muitos casos, um hospital é um lugar perigoso. Como se
pode alterar isto com a burocracia que, actualmente, rege a saúde dos
portugueses? Entre outras coisas com uma Ordem forte, com capacidade de
bater o pé, de dialogar, de exigir também. Se nem o Estado Novo ousou
incomodar muito o Professor Miller Guerra por causa do célebre Relatório
das Carreiras Médicas não seria este Estado de Direito a fazê-lo. Nem
com o dr Portas, um espertalhão oportunista, nem com o dr Passos Coelho,
um medíocre, nem com o dr António Costa que considero um Primeiro
Ministro decente
(já não era sem tempo)
e poderia
certamente contar com o apoio do Presidente da República que, apesar das
limitações do seu cargo, tem a estima e o respeito da generalidade dos
portugueses, e é capaz de intervenções que se lhe afigurem justas. Uma
Ordem credível com dirigentes credíveis, porque existem, de certeza,
médicos de muito bom nível, e talvez não seja difícil mobilizá-los se a
chamada for firme e convincente. E assim talvez se acabassem com as
infinitas patetices de uma Ordem que nem gramática sabe. Voltando à
frase do Professor da Faculdade de Medicina será que os actuais
licenciados terão completado a quarta classe? Qualquer dia ponho a carta
aqui na Visão e vocês julgam ao lê-la. Só tenho pena de não ter uma
carta de nenhum administrador hospitalar para julgar eu também.
IN "VISÃO"
13/10/16
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