As fatwas de Marques Mendes
Dizem por aí que o ministro da Economia
vai ser corrido, deflacionado, vai ser deslocalizado, afastado por
António Costa. Deve ser um problema da Economia, poucos lhe sobrevivem
muito tempo, tenham ou não currículo para mostrar e algum trabalho feito
no entretanto. Álvaro tinha apelido (Santos Pereira), não tinha era
partido, não era militante do PSD, e então foi rapidamente chutado para
França com a autoconfiança abalada. Felizmente, Paris opera maravilhas
em qualquer alma, podia ter-lhe calhado destino pior.
Coube
a Manuel Caldeira Cabral ocupar o mesmo lugar no governo seguinte. A
acreditar no que diz Marques Mendes - no Marques Mendes que tem chapéu
de comentador e outro de conferencista -, já não falta muito para
acontecer a exoneração ministerial. Mendes não é o único a lançar a
previsão, mas dita pela boca do antigo líder do PSD ganha outro peso.
Acresce que entre os vários chapéus que ele acumula no armário, para
usar consoante a ocasião e o interlocutor, há um que pertence ao
Conselho de Estado, o Olimpo dos conselheiros do Presidente da
República.
Deveria esta circunstância política, que também é uma enorme responsabilidade democrática, temperar-lhe um pouco as fatwas
que lança? Um observador desinteressado diria que sim, mas Marques
Mendes não parece preocupar-se muito. Pelo contrário, tira partido
disso. Há ali, no que ele diz, uma sopa de letras com o perigo de acabar
num refogado de interesses: algumas fatias de informação, um par de
rodelas de opinião bem fininhas e meia colher de manipulação para
apimentar.
O assunto pode ser a Galp,
amanhã os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de futebol mais
polémico - todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então, com a
maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro sem
ter de citar qualquer fonte, sem situar a origem da informação, sem
essas maçadas todas que teoricamente fazem da informação o que é suposto
ela ser: factos pesquisados, verificados e documentados, não apenas
ouvidos a meio de um repasto. Mendes tem uma espécie de licença para
matar - matar reputações, moer outras, promover algumas pelo caminho.
Faça-se
no entanto justiça. Há outros como Marques Mendes, alguns até com menos
talento para comunicar e uns poucos ainda a coberto da Carteira
Profissional de Jornalista. O nosso conselheiro de Estado é só a fruta
da época e quem sabe onde ele chegará..., como ele próprio diria num
comentário bem calibrado sobre alguém, deixando nas entrelinhas o veneno
da dúvida.
Pois eu não sei nem quero
saber quais são os objetivos políticos que Marques Mendes tem, se é que
os tem, mas não deixo de notar o equívoco do que ele faz na área onde eu
trabalho. Ele não esclarece os assuntos, posiciona os assuntos,
fecha-lhes o ângulo de uma maneira muito especial e parcial. Dá a
"notícia" e remata com a baliza aberta.
Manuel Caldeira Cabral foi
exonerado por Marques Mendes numa conferência que aconteceu nesta
semana, não foi, portanto, na televisão, mas o estilo e o método são
estes, só muda o cenário. A eficácia da mensagem é de elevado nível:
muita gente acredita. Talvez isto seja apenas um espelho do país que
somos. O jornalismo não fiscaliza o poder e os poderosos, serve de
barriga de aluguer e também por causa disso enfraquece-se todos os dias.
Mas
o mais interessante disto é que Mendes, acertando algumas vezes - e
acertou em cheio na resolução do BES, o que diz muito sobre a
irresponsabilidade de alguns dos nossos decisores políticos, línguas de
trapo mesmo em assuntos tão delicados -, Mendes, escrevia eu, também
falha.
Tenho bem consciente que já o vi atirar muitas vezes ao lado,
horrivelmente ao lado, revelando-se incapaz de compreender o que aí
vinha, mas ainda assim especulando com a assertividade dos eleitos que
tudo podem saber com um par de telefonemas certeiros, até sobre
geopolítica internacional.
Vivemos os
anos dourados da opinião, não da informação. Esta coluna que escrevo é
apenas um exemplo - espero que tenham alguma misericórdia ao lê-la -,
embora venha embrulhada num jornal que o que tem mais são notícias,
entrevistas e reportagens, doseando sensatamente tudo o resto para não
perder a identidade e a vocação.
A famosa Fox News e a MSNBC, canais de
informação americanos, já estão para lá de Bagdade neste assunto.
Oferecem metade do seu tempo aos comentários - o que não é o mesmo do
que análise, exercício jornalístico qualitativamente diferente para
melhor -, deixando para segundo plano a procura intensiva da informação.
E o mais ridículo disto tudo é que já está provado que estes pundits,
como lhe chamam os americanos, no fundo estes comentadores como Marques
Mendes, confundem muitas vezes desejos com factos, fabricam uma
narrativa que os impele a ignorar a realidade, não prestam atenção
suficiente aos detalhes, não são flexíveis o suficiente para captar as
zonas cinzentas, são pouco tolerantes com a complexidade. Têm uma
agenda.
Resumindo: eu não acredito que António Costa substitua Manuel Caldeira Cabral.
* Director adjunto da RTP
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
22/10/16
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