05/09/2016

SEBASTIÃO BUGALHO

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Zero de défice, 
zero de oposição

O CDS continua à procura de um democrata cristão como o meu afilhado continua à procura do Wally nos livrinhos

Em outubro de 2015, quando António Costa subiu ao poder sustentado por partidos à sua esquerda, esta coluna salientou que a opção política do primeiro- -ministro atentava contra a tradição democrática portuguesa do “arco de governação”. O nosso histórico eleitoral manifesta uma preferência ideológica que alterna entre o centro-direita e o centro-esquerda. Este artigo não é uma legitimação desse esquecimento.

Hoje, o mundo anda ao contrário na política lusa.
O PCP, ideologicamente contra a propriedade privada, é o partido que possui mais propriedade privada. Grita pela taxação das “grandes fortunas”, mas recusa pagar impostos sobre a sua própria fortuna.

O PSD, acusado de deriva neoliberal, preferiu na verdade que fosse o Estado a gerir o pouco dinheiro que o país tem. O PS, acusado de deriva comunista, preferiu na verdade entregar o pouco dinheiro ao cidadão e esperar magicamente que o consumo desse certo. O Bloco consegue ser tudo e o seu contrário porque, como António Costa bem analisou antes de precisar dele, o Bloco não é nada.
Sobre o CDS-PP, honestamente, ainda não percebi. E acho que eles também não. Às vezes pergunto-me se os centristas continuam à procura de um democrata cristão como o meu afilhado continua à procura do Wally nos livrinhos de ilustrações.

António Costa está-se nas tintas para o PS, usou-o para governar a partir dele; o europeísmo, o soarismo ou a liberdade do socialismo democrático que António Barreto vem lembrar não contam para Costa. Passos Coelho está-se nas tintas para o PSD porque já entendeu que o PSD se está nas tintas para ele; caindo, caem juntos.

Assunção Cristas está-se nas tintas para o CDS porque acredita que só crescerá além do CDS; o partido não gosta, mas esquece que Portas era idêntico.

Pelo meio, para disfarçar a desfaçatez, falam todos de “interesse nacional”. São estes líderes os primeiros responsáveis pelo avesso dos seus partidos.

É a ausência de projeto político – generalizada nos representantes do povo – que pode explicar a crescente abstenção e o desinteresse da sociedade civil em relação ao serviço público e ao debate de ideias.

Quando ouvimos Maria Luís Albuquerque citar Wolfgang Schäuble, dizendo que “o objetivo devia ser o défice zero”, a abstenção torna a explicar-se. Quando ouvimos Pedro Passos Coelho louvar a ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs, a abstenção torna a explicar-se. Quando ouvimos os nossos credores – FMI e União Europeia – assumir que havia medidas de austeridade mal concebidas e a nossa direita prosseguir com sessões de mimética alemã, a abstenção torna a explicar-se.

A ver se nos entendemos: António Costa desprezou a Europa, a história do seu partido, a história da iii República, aliou--se a um comunista e a uma encenadora de teatro, viu um banco explodir-lhe nas mãos em duas semanas, recapitalizou a Caixa às custas do contribuinte, viu um país inteiro arder, “perdeu” as presidenciais, faz austeridade oculta em cativações, tem uma conta de Twitter que roça a paródia, etc., etc., etc., e mesmo assim está confortavelmente à frente nas sondagens e continuaria primeiro-ministro se repetissem hoje as eleições. A nossa direita é tão má que deixa isto vencer?
Falam-me de Maria Luís para a Câmara Municipal de Lisboa. Fernando Seara podia candidatar-se outra vez e teria mais votos. Assunção Cristas podia candidatar-se sozinha e teria mais votos. Jorge Moreira da Silva, o homem por quem os militantes do PSD se levantam (para abandonar a sala), teria mais votos.

Enquanto Maria Luís continuar a falar em défice zero, o resultado será uma oposição zero. Como é que o CDS não aproveita um governo radical e uma oposição fraca para se assumir nas sondagens é, para mim, prova de igual incapacidade.

O governo de António Costa tem uma agenda pautada pelo passado, uma visão da presença do Estado na economia ultrapassada, uma prioridade à reversão e não à inovação. Mas o PSD mantém-se envolvido no semblante de “salvação nacional”.

A glorificação da “saída limpa” nunca passou para o eleitorado precisamente porque a atitude dos governantes sociais-democratas permanecia a mesma: em resgate.

Os portugueses estarão cansados de ouvir “temos a coragem de fazer o difícil”, preferindo ouvir “fazemos tudo para o difícil não voltar”?

Para mim, a resposta é mais simples do que aparenta.
No fim do dia, as pessoas só querem que as deixem em paz. Um liberal teria compreendido isso.


IN "i"
02/09/16

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