Zero de défice,
zero de oposição
O CDS continua à procura de um democrata cristão como o meu afilhado continua à procura do Wally nos livrinhos
Em outubro de 2015, quando António Costa subiu ao
poder sustentado por partidos à sua esquerda, esta coluna salientou que a
opção política do primeiro- -ministro atentava contra a tradição
democrática portuguesa do “arco de governação”. O nosso histórico
eleitoral manifesta uma preferência ideológica que alterna entre o
centro-direita e o centro-esquerda. Este artigo não é uma legitimação
desse esquecimento.
Hoje, o mundo anda ao contrário na política lusa.
O PCP, ideologicamente contra a propriedade privada, é o partido que
possui mais propriedade privada. Grita pela taxação das “grandes
fortunas”, mas recusa pagar impostos sobre a sua própria fortuna.
O PSD, acusado de deriva neoliberal, preferiu na verdade que fosse o
Estado a gerir o pouco dinheiro que o país tem. O PS, acusado de deriva
comunista, preferiu na verdade entregar o pouco dinheiro ao cidadão e
esperar magicamente que o consumo desse certo. O Bloco consegue ser tudo
e o seu contrário porque, como António Costa bem analisou antes de
precisar dele, o Bloco não é nada.
Sobre o CDS-PP, honestamente, ainda não percebi. E acho que eles
também não. Às vezes pergunto-me se os centristas continuam à procura de
um democrata cristão como o meu afilhado continua à procura do Wally
nos livrinhos de ilustrações.
António Costa está-se nas tintas para o PS, usou-o para governar a
partir dele; o europeísmo, o soarismo ou a liberdade do socialismo
democrático que António Barreto vem lembrar não contam para Costa.
Passos Coelho está-se nas tintas para o PSD porque já entendeu que o PSD
se está nas tintas para ele; caindo, caem juntos.
Assunção Cristas está-se nas tintas para o CDS porque acredita que só
crescerá além do CDS; o partido não gosta, mas esquece que Portas era
idêntico.
Pelo meio, para disfarçar a desfaçatez, falam todos de “interesse
nacional”. São estes líderes os primeiros responsáveis pelo avesso dos
seus partidos.
É a ausência de projeto político – generalizada nos representantes do
povo – que pode explicar a crescente abstenção e o desinteresse da
sociedade civil em relação ao serviço público e ao debate de ideias.
Quando ouvimos Maria Luís Albuquerque citar Wolfgang Schäuble,
dizendo que “o objetivo devia ser o défice zero”, a abstenção torna a
explicar-se. Quando ouvimos Pedro Passos Coelho louvar a ida de Durão
Barroso para a Goldman Sachs, a abstenção torna a explicar-se. Quando
ouvimos os nossos credores – FMI e União Europeia – assumir que havia
medidas de austeridade mal concebidas e a nossa direita prosseguir com
sessões de mimética alemã, a abstenção torna a explicar-se.
A ver se nos entendemos: António Costa desprezou a Europa, a história
do seu partido, a história da iii República, aliou--se a um comunista e
a uma encenadora de teatro, viu um banco explodir-lhe nas mãos em duas
semanas, recapitalizou a Caixa às custas do contribuinte, viu um país
inteiro arder, “perdeu” as presidenciais, faz austeridade oculta em
cativações, tem uma conta de Twitter que roça a paródia, etc., etc.,
etc., e mesmo assim está confortavelmente à frente nas sondagens e
continuaria primeiro-ministro se repetissem hoje as eleições. A nossa
direita é tão má que deixa isto vencer?
Falam-me de Maria Luís para a Câmara Municipal de Lisboa. Fernando
Seara podia candidatar-se outra vez e teria mais votos. Assunção Cristas
podia candidatar-se sozinha e teria mais votos. Jorge Moreira da Silva,
o homem por quem os militantes do PSD se levantam (para abandonar a
sala), teria mais votos.
Enquanto Maria Luís continuar a falar em défice zero, o resultado
será uma oposição zero. Como é que o CDS não aproveita um governo
radical e uma oposição fraca para se assumir nas sondagens é, para mim,
prova de igual incapacidade.
O governo de António Costa tem uma agenda pautada pelo passado, uma
visão da presença do Estado na economia ultrapassada, uma prioridade à
reversão e não à inovação. Mas o PSD mantém-se envolvido no semblante de
“salvação nacional”.
A glorificação da “saída limpa” nunca passou para o eleitorado
precisamente porque a atitude dos governantes sociais-democratas
permanecia a mesma: em resgate.
Os portugueses estarão cansados de ouvir “temos a coragem de fazer o
difícil”, preferindo ouvir “fazemos tudo para o difícil não voltar”?
Para mim, a resposta é mais simples do que aparenta.
No fim do dia, as pessoas só querem que as deixem em paz. Um liberal teria compreendido isso.
IN "i"
02/09/16
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