Assombração socrática
Investigue-se a misteriosa omnipresença de José Sócrates na política atual, nem que para isso se tenham de consumir mais dois anos de compilação de provas.
Os holofotes só apontam numa direção. O mundo quer saber qual é o
próximo passo. É culpado, não é culpado? O que pensam as ex-mulheres de
toda esta situação? Como ficarão os filhos? Qual será a reação dos
jornalistas no decurso do próximo evento social? Os amigos ficarão do
seu lado…? Não, não falamos de Brad Pitt e do mediático divórcio do ator
com a ‘sex symbol’ Angelina Jolie: referimo-nos a José Sócrates! O
ex-secretário de Estado do Ambiente, ex-secretário Geral do Partido
Socialista, ex-primeiro-ministro de Portugal, ex-preso 44 do
Estabelecimento Prisional de Évora é o “ex-mais-atual” do panorama
nacional.
Mesmo afastado do mundo da política e da vida social, Sócrates
consegue gerar mais notícias e evocações do que muitos dos políticos no
ativo. Podia achar-se que tal facto é trabalhado e desejado pelo mestre
em Ciência Política, numa busca por um protagonismo que lhe possa
devolver a “face oculta”. Ou que, “armado em Marquês”, tudo esteja a
fazer para conseguir mediatização. São, porém, os “outros” que recordam
persistentemente José Sócrates, não permitindo que este caia no
esquecimento público e ajudando a que este se mantenha um atleta de
fundo.
Esta semana a eurodeputada socialista Ana Gomes criticou a presença
de José Sócrates num evento institucional do PS e acusou a federação de
Lisboa do partido de conivência com as “efabulações” do
ex-primeiro-ministro. Uma crítica vinda de tão longe – a eurodeputada
encontrava-se na Suécia – faria supor que o evento em questão tivesse um
forte impacto na vida do PS: tratava-se de uma conferência organizada
pelo Departamento Federativo das Mulheres Socialistas de Lisboa da FAUL
(Federação da Área Urbana de Lisboa do PS)!
Não duvidando do furor que Sócrates possa fazer na Universidade de
Verão das mulheres socialistas, quantas notícias terá gerado esta
insurgência de Ana Gomes? Por seu turno, Carlos Alexandre, o juiz de
Mação, deu-se à maçada de, numa entrevista que ainda se apura se podia
ou devia dar, referir que o governo de José Sócrates lhe cortou o
salário e – da forma indireta mais direta que encontrou – afirmou, numa
clara alusão à situação do ex-primeiro-ministro no processo que dirige,
que não tem contas bancárias em nome de amigos. Para além de com isto
ter permitido que José Sócrates interpusesse um pedido de recusa do juiz
de instrução, quantas notícias não se terão criado à conta deste
“deslize” do “super juiz”?
Também Fernando Lima, ex-assessor de Cavaco Silva, no livro que
lançou recentemente sobre os interstícios da Presidência da República,
acusa Sócrates de ter construído uma “poderosa e invisível máquina dos
socialistas” para denegrir “quem se atravessasse no caminho”. Ainda que
carecendo de comprovação, quantas notícias não terá produzido a
incriminação de Lima? Sócrates também não escapou às “Saraivalhices”
que, por sinal, já se encontram em promoção nas livrarias antes mesmo de
terem sido lançadas e negadas por Passos Coelho, que rogou a António
Saraiva que o “desobrigasse” de apresentar o polémico livro.
Depois da permissão dada pelo ex-diretor do Sol, Passos Coelho
aproveitou para também relembrar Sócrates no hemiciclo. Desta feita, no
decurso do debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento,
Passos Coelho comparou António Costa a Sócrates: “Lembro-me o que o seu
colega primeiro-ministro de então dizia em 2010 é muito parecido
consigo, não demorou muito e estava a propor o aumento dos impostos como
os senhores agora fazem, o corte do investimento público, o corte das
prestações sociais e o governo seguinte que trate de limpar a casa.”
É caso para dizer que o fantasma de Sócrates marca presença em quase
todos os momentos políticos relevantes da atualidade. Será preciso um
exorcista para enxotar Sócrates destas presenças? Será que o
ex-primeiro-ministro recorreu a serviços com largo espectro de
‘lobbying’? Terá Sócrates, através de amigos, conseguido convencer estes
personagens a evocá-lo alto e bom som? Será que estas pessoas foram
pagas para falar de Sócrates? Estaremos perante casos de subornos ou
luvas? Terá Sócrates direito a ‘royalties’ de cada vez que é recordado?
As quantias em questão estarão a ser declaradas ao fisco? Investigue-se a
misteriosa omnipresença de José Sócrates na política atual, nem que
para isso se tenham de consumir mais dois anos de compilação de provas,
para se apurar com exatidão de que rara matéria é feito o
ex-primeiro-ministro. Aguardamos o desfecho com expectativa, embora
temamos que o resultado da investigação seja de outro mundo.
* Cofundadora da IdeaCan
IN "OJE/JORNAL ECONÓMICO"
23/09/16
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