Pobre património
A discussão, sem fim, dura há dezenas de anos. Vai tendo, conforme os
tempos, problemas e soluções diferentes. Que grau de prioridade deve
ser atribuída à inventariação, à preservação, ao estudo e à divulgação
do património edificado? Muito? Tudo de que precisa? Medianamente?
Deixado ao mecenato privado? É mais importante do que as "artes vivas"
ou "performativas", como se diz agora? Mais ou menos importante do que a
música, a literatura, a pintura, o cinema e a escultura? Dentro da área
vastíssima da cultura e do ponto de vista das políticas públicas, o que
é mais importante, o património erudito e a "alta cultura" ou as artes e
tradições populares? A investigação é mais importante do que a
divulgação? O estudo é mais urgente do que a disseminação popular e de
massas?
A resposta mais fácil é aquela que está no espírito de
muita gente. Tudo é urgente, tudo é prioritário, não se deve subestimar
nenhuma área, todas as artes são importantes, todas as formas de cultura
são decisivas, todas as manifestações do espírito são indispensáveis, o
passado é tão importante quanto o presente e o futuro. São conhecidos
esses argumentos. Que não servem para nada, a não ser alimentar a
polémica e manter vivas as expectativas dos grupos de interesses.
A
verdade é que é importante estabelecer prioridades a partir de vários
critérios: a beleza, a raridade, a importância, o valor, o significado, o
conhecimento, o contexto histórico, o custo, o perigo de deterioração, a
ameaça de destruição, o risco de apropriação indevida... É difícil
enumerar tudo. Mas o estabelecimento de prioridades tem de responder a
muitos desses critérios. Até porque nunca há dinheiro para tudo.
A
prioridade política deveria ser atribuída ao património histórico e
cultural, nomeadamente o edificado. O estudo, a investigação e a
preservação deveriam ser as actividades prioritárias. Certas áreas do
património não deveriam nunca ser objecto de apropriação privada ou
mercantil. O mecenato privado de carácter comercial e publicitário
deveria ser uma faculdade acessória, discreta e condicionada, sendo
privilegiado o investimento público. As universidades, as associações
culturais, profissionais e científicas deveriam ser chamadas a
colaborar. Os monumentos deveriam ser rigorosamente estudados,
investigados, acompanhados e protegidos.
Entre a penúria pública e
a ganância privada, muitos monumentos vegetam sem meios nem técnicos.
Visitei recentemente alguns dos mais conhecidos: Mosteiro de Alcobaça,
Convento de Cristo em Tomar, Convento de Mafra, Torre de Belém, Mosteiro
dos Jerónimos, Igreja da Memória em Lisboa, Ermida de Nossa Senhora da
Conceição em Tomar, Igreja de São Vicente de Fora, Santuário de Nossa
Senhora do Cabo Espichel, Aqueduto dos Pegões em Tomar... Em todos estes
sítios, que sei serem alguns dos mais bem arranjados, detectei
progressos enormes, em comparação com o que se via há trinta ou quarenta
anos. Mais limpos, mais acessíveis, por vezes menos abandonados. Mas
ainda hoje há faltas e falhas imperdoáveis! O pessoal técnico é
insuficiente. Há miséria absoluta nas oficinas de restauro.
É gritante a
falta de verba, de meios e de técnicos de restauro e de conservação. É
diminuta a formação técnica e cultural. São muitas as infiltrações nas
paredes. Abundam a erva e arbustos nos telhados. Há, por todo o lado,
azulejos caídos e janelas quebradas. Ainda se vêem alas inteiras
arruinadas e claustros a caírem de podre. Quase todos carecem de
indicações e sinalização suficientes. Há, por falta de condições de
segurança, edifícios ou partes deles inacessíveis.
O que faz falta
é enorme. Por isso deve ser prioridade, em detrimento dos esforços
feitos para agradar a clientelas e à "intermediação eleitoral". E em
prejuízo do que "dá nas vistas". Sabemos que os monumentos não votam.
Mas as pedras podem um dia cair sobre quem não cumpre os seus deveres.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/08/16
.
Sem comentários:
Enviar um comentário