15/08/2016

SOFIA MARTINS

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Poderá haver magia 
no chão que pisamos?

Acontece haver períodos ao longo da vida em que sentimos uma crescente sensação de desconforto junto de pessoas com quem em tempos fomos felizes. Deixamos de nos identificar com lugares, tempos, e por dentro desenvolvemos uma insistente sensação de desenraizamento.

São alturas em que não somos nem carne nem peixe. Não estamos bem sozinhos, nem acompanhados. As conversas parecem-nos vazias. As pessoas, banais. Apetece-nos fugir não sabendo bem para onde. Queremos o extremo oposto daquilo que estamos a viver. E uma onda de impaciência mistura-se com medo. Saber onde pertencemos torna-se então uma urgência. Mas o caminho para lá chegar, precisa ser trilhado. Com consciência, coragem e, porque não? Simplicidade.

Há uns dias vinha pela rua e reflecti. Nestes autênticos períodos de transição em que a vida nos pede decisões, é importante encontrarmos luzes ao longo do caminho. Mesmo não vendo muito além, podemos sentir o chão onde pomos os pés. E tomar dele consciência, tão plena quanto possível. E foi o que decidi experimentar naquele dia. Apercebi-me então que, enquanto caminhamos, há uma estrada à nossa frente que recebe os nossos passos. E um céu que nos acompanha. Grande, imenso e lá para nós, se o quisermos olhar.

Estendi a minha vista para os lados. Reparei no insólito pedinte junto ao supermercado, com uma caixa de plástico para receber as moedas e um livro na mão, no qual parecia absorvido. Matava assim o tempo entre esmolas. Sorri.
Atravessando a rua, vinha uma estrangeira magrinha, bonita, descalça, com uma pulseira a envolver-lhe o tornozelo. Admirei a sua descontracção. Descalça, em plena cidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Mais à frente, o homem com uma mota vendendo fruta, O mesmo homem que no Outono vende castanhas.
E ainda a Sinagoga, sempre tão interessante com as pessoas que entram para o seu culto, vestidas a rigor.

No meio de tudo isto, vou eu, passando, assistindo. Vivendo. Sorrindo. E constato que, de certa forma, eu faço parte de todo aquele quadro. Volto a olhar as minhas sandálias que guardam os meus pés e, juntos, pisam o chão, passo a passo. E, de súbito, levanto os olhos ao céu.
Sinto então uma onda de vida a percorrer cada célula do meu corpo. É impressionante a força que este gesto tem! Eu pertenço aqui, a este planeta, a esta cidade. A este momento.

Faço parte do mesmo cenário que aquele pedinte, a estrangeira descalça, o homem da fruta. Os frequentadores da Sinagoga. Todas as pessoas que se cruzam comigo, talvez mais vulgares, mas cada uma com as suas particularidades, mais ou menos visíveis. Cruzamo-nos no mesmo espaço, no mesmo cenário àquela hora. Todos vivos. Todos personagens complexos que, de alguma maneira, se tocam e se cruzam. A vida é mágica. E é tão fácil tornar o nosso dia especial quando tomamos dele consciência. Quando percebemos que pertencemos aos nossos dias. E que são eles que nos dão a sensação de continuidade.

Amanhã haverá sempre outro dia. Com outros cenários que nos acolham. E, aos poucos, compreenderemos que nada é permanente. E que a vida nunca deixa de girar, como uma roda de bicicleta. E nós estaremos cá, testemunhando, fazendo parte desta história que é, afinal, a nossa.
Conscientes disso, fortalecidos com isso, poderemos a qualquer momento saltar para a frente e assumir o papel principal. Tomar decisões que impulsionem a nossa vida e nos coloquem na direcção certa.

O resto da história, seremos nós a decidir.
* Terapeuta e Coach Pessoal e autora do livro Aprendendo a viver comigo, um relato de aprendizagens. No seu site oficial, pode consultar-se textos que pretendem dar esperança e ajudar as pessoas a passar da mente para o coração

IN "SÁBADO"
11/08/16


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