09/08/2016

PAULA COSTA

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Caça aos gambozinos (ou seja, 
onde está o raio do Pokémon?!)

Caça aos gambozinos figura como uma expressão altamente atrativa quando se deseja que alguém, chato até ao tutano, vá passear. Para longe, preferencialmente. Sobretudo agora que o verão se instalou quente e de céu taciturno, e para aqueles como eu que ainda não alcançaram o momento de férias e se sentem atropelados pelo cansaço, a falta de elasticidade na paciência torna-se comum e sabe tão bem dizer ao pessoal que tem o nariz demasiado comprido o seguinte: Olha, vai apanhar gambozinos, pá.

Sabe bem, ou não?

Mas o que é caçar gambozinos? O que são gambozinos? Compra-se cá disso? Há época de caça estabelecida? O que é?? Vou-vos dizer: não é nada que detenha existência para além do enunciado. Não, não existe. É apenas uma figura imaginária inseparável da noção da frase, por que não existindo semelhante espécie, enviar alguém numa demanda dessas é coisa para demorar uns bons anos. Que maravilha.

Todavia, parece que o figurativo se tornou real, qual esquizofrenia social estamos nós a atravessar. Pois então mandar assim alguém para tão longe à procura de um ser possivelmente mais difícil de encontrar que o abominável homem das neves é um ato ameaçado… O pessoal anda todo aí de telemóvel em punho sedento pela captura de seres invisíveis, como o gambozino inocente que nem existia. Quem são? São os pokémons. É a loucura, eles dizem que viram um, viram dois!, e ali à frente estavam cinco!, há ainda zonas ricas em concentração de pokémons, é impressionante!, embora nunca ninguém os verdadeiramente veja fora dos ecrãs da aplicação. São como os fantasmas, há pessoas a insistir que lá estão e que os viram e que arranjaram um qualquer dispositivo manhoso para os detetar, no entanto na crua realidade não está lá nada.

Ao menos a premissa deste jogo está esclarecida desde o início, sem dissimulações nem subterfúgios. É uma brincadeira, diverte quem participa e todos estão claramente conscientes da verdade. É uma loucura sincera. Não dá jeito para mandar alguém para longe sonhava de início, numa de: Vai apanhar pokémons, ó…; pois dada a invasão prolífica das criaturas, o afastamento do chato não vai propiciar um alívio assim tão acentuado, ou duradouro. Por outro lado, é isenta de – por exemplo - promessas e campanhas vazias tão apelativas à compaixão de quem não se sabe ser verdadeiramente capaz dela, está livre de previsões místicas vãs e infundadas, ou tratamentos aguados (pouco) alternativos sem teor algum de veracidade. Face a isto, é bastante mais agradável apanhar pokémons ou gambozinos- existam ou não - e deixar para trás o que efetivamente não interessa.

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
02/08/16


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