Nostalgia dos pokémons
de há vinte anos
Há quase 20 anos, o meu filho mais novo
vibrava com os pokémons. Eu achava aquilo coisa de crianças, mas tentei
comportar-me como bom pai, chegando ao ponto de ainda conservar um
Pikachu enorme de peluche. Um dia, pediu-me para ir ver o filme (penso
que só houve um), aos cinemas. Lá cumpri o meu dever, com a
superioridade por vezes estúpida dos adultos, quando deparo, mesmo no
fim, com um texto que funcionava como mensagem global e que estava
imbuído do existencialismo mais delicioso. Coisa que eu nunca poderia
ter imaginado. Como saída da cabeça do Sartre, a frase dizia, mais ou
menos, o seguinte: "Não interessa de onde vens, ou quais as tuas
origens; a única coisa que conta na vida é o caminho que queres seguir, o
homem que queres (ou consegues) ser." Fiquei maravilhado, embora com
enormes dúvidas a respeito da eficácia da mensagem junto de miúdos tão
novos (o meu filho deveria ter 6 ou 7 anos).
Devo
só explicar o que é isto do existencialismo. Para começar, talvez seja
mais fácil explicar que é o contrário do essencialismo. Conceito este
que o Sartre explicou da seguinte maneira: quando fabricamos uma caneta,
sabemos antecipadamente como ela será: se preta ou branca, de plástico
ou de prata, se esferográfica ou de tinta permanente. Tal significa que a
essência da caneta precede a sua existência. No caso do homem, tal não
pode ser verdade. Se anularmos o efeito divino (os deuses saberiam
certamente que homens iriam criar), a essência de cada homem dependerá
da sua existência, e não o contrário. Ou seja, o homem deve ser livre.
Deve ser aquilo que quer ser. Como os pokémons.
Esta
recordação veio-me esta semana à cabeça enquanto visitei o Norte de
Espanha. Da Galiza ao País Basco, passando pelas Astúrias e a Cantábria,
fugi ao calor do Sul e vi coisas maravilhosas, começando pelo objectivo
principal da viagem: os Picos da Europa. Mas, por que me lembrei dos
pokémons? Não foi por encontrar miúdos ou graúdos a fazer de tontos
pelas ruas ou pelos parques, entregues a uma versão tecnológica dos
velhos 'monstros de bolso' sem elevação humanística sartriana. Foi antes
por constatar que a realidade existe, independentemente do que queremos
que ela seja. E que, tal como no caso dos homens, os países são o que
neles podemos observar, de bom ou de mau, independentemente das ideias
apriorísticas que temos a seu respeito. Quer dizer que a sua essência
depende da sua existência. No caso de Espanha, falo por mim, pois, 40
anos depois de atravessar com alguma frequência uma Espanha de baixo
nível que me angustiava, aprendi a admirar o enorme esforço que estes
irmãos fizeram, tal como nós, para sair do servilismo de séculos em que
se encontravam.
Por isso, chamo a
atenção para um atendimento muito simpático para com os portugueses –
exceptuando talvez os bascos sempre sisudos, não contra nós, mas porque
revoltados para com o mundo em redor –, uma comida excelente, vinhos que
já conhecemos e sabemos de grande nível e ... preços baratos.
Só
dois apontamentos: comi em Oviedo um bacalhau confitado absolutamente
delicioso. Para não falar de um arroz de legumes notável e dos pimentos padrón que
só eles sabem fazer. Por outro lado, paguei preços semelhantes aos de
Portugal. Pois é! E os espanhóis ganham muito mais do que nós. Gasolina?
Muito mais barata. Portagens? Em grande parte das zonas não se paga.
Por
todas estas razões, devemos procurar a realidade, e não o sonho que
inventámos por sobre ela, quando comparamos Portugal e Espanha.
Evitando, claro, o nacionalismo emocional primário. Espanha já não
corresponde, estou convencido, à imagem que dela criámos há algumas
décadas. Vale a pena confrontar essa imagem com a realidade e recompor a
sua essência a partir daí.
Mas vamos
lá arriscar uma tirada nacionalista. A língua basca é algo de
extremamente misterioso. Não tem origem em nenhuma raiz linguística
europeia. Nasceu, como os sumérios, não se sabe de onde. Aliás, é
hilariante ler o basco. Parecem letras seleccionadas de forma aleatória
no alfabeto. Isto está bem patente nos textos mais longos que se podem
ler, nos museus, por exemplo. E, seguindo o exemplo, diverti-me imenso a
ler, no Guggenheim de Bilbau, um texto longo em basco. Curiosamente,
não encontrei palavras rigorosamente iguais às espanholas, ou às
francesas. Mas encontrei estas: "artista"; "ideia formal"; "pintura". O
suficiente para este palerma luso ficar todo emproado.
IN "VISÃO"
01/08/16
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