04/08/2016

LUÍS VALENTE ROSA

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 Nostalgia dos pokémons 
de há vinte anos

Há quase 20 anos, o meu filho mais novo vibrava com os pokémons. Eu achava aquilo coisa de crianças, mas tentei comportar-me como bom pai, chegando ao ponto de ainda conservar um Pikachu enorme de peluche. Um dia, pediu-me para ir ver o filme (penso que só houve um), aos cinemas. Lá cumpri o meu dever, com a superioridade por vezes estúpida dos adultos, quando deparo, mesmo no fim, com um texto que funcionava como mensagem global e que estava imbuído do existencialismo mais delicioso. Coisa que eu nunca poderia ter imaginado. Como saída da cabeça do Sartre, a frase dizia, mais ou menos, o seguinte: "Não interessa de onde vens, ou quais as tuas origens; a única coisa que conta na vida é o caminho que queres seguir, o homem que queres (ou consegues) ser." Fiquei maravilhado, embora com enormes dúvidas a respeito da eficácia da mensagem junto de miúdos tão novos (o meu filho deveria ter 6 ou 7 anos).

Devo só explicar o que é isto do existencialismo. Para começar, talvez seja mais fácil explicar que é o contrário do essencialismo. Conceito este que o Sartre explicou da seguinte maneira: quando fabricamos uma caneta, sabemos antecipadamente como ela será: se preta ou branca, de plástico ou de prata, se esferográfica ou de tinta permanente. Tal significa que a essência da caneta precede a sua existência. No caso do homem, tal não pode ser verdade. Se anularmos o efeito divino (os deuses saberiam certamente que homens iriam criar), a essência de cada homem dependerá da sua existência, e não o contrário. Ou seja, o homem deve ser livre. Deve ser aquilo que quer ser. Como os pokémons.

 Esta recordação veio-me esta semana à cabeça enquanto visitei o Norte de Espanha. Da Galiza ao País Basco, passando pelas Astúrias e a Cantábria, fugi ao calor do Sul e vi coisas maravilhosas, começando pelo objectivo principal da viagem: os Picos da Europa. Mas, por que me lembrei dos pokémons? Não foi por encontrar miúdos ou graúdos a fazer de tontos pelas ruas ou pelos parques, entregues a uma versão tecnológica dos velhos 'monstros de bolso' sem elevação humanística sartriana. Foi antes por constatar que a realidade existe, independentemente do que queremos que ela seja. E que, tal como no caso dos homens, os países são o que neles podemos observar, de bom ou de mau, independentemente das ideias apriorísticas que temos a seu respeito. Quer dizer que a sua essência depende da sua existência. No caso de Espanha, falo por mim, pois, 40 anos depois de atravessar com alguma frequência uma Espanha de baixo nível que me angustiava, aprendi a admirar o enorme esforço que estes irmãos fizeram, tal como nós, para sair do servilismo de séculos em que se encontravam.

Por isso, chamo a atenção para um atendimento muito simpático para com os portugueses – exceptuando talvez os bascos sempre sisudos, não contra nós, mas porque revoltados para com o mundo em redor –, uma comida excelente, vinhos que já conhecemos e sabemos de grande nível e ... preços baratos.

Só dois apontamentos: comi em Oviedo um bacalhau confitado absolutamente delicioso. Para não falar de um arroz de legumes notável e dos pimentos padrón que só eles sabem fazer. Por outro lado, paguei preços semelhantes aos de Portugal. Pois é! E os espanhóis ganham muito mais do que nós. Gasolina? Muito mais barata. Portagens? Em grande parte das zonas não se paga.

Por todas estas razões, devemos procurar a realidade, e não o sonho que inventámos por sobre ela, quando comparamos Portugal e Espanha. Evitando, claro, o nacionalismo emocional primário. Espanha já não corresponde, estou convencido, à imagem que dela criámos há algumas décadas. Vale a pena confrontar essa imagem com a realidade e recompor a sua essência a partir daí.

Mas vamos lá arriscar uma tirada nacionalista. A língua basca é algo de extremamente misterioso. Não tem origem em nenhuma raiz linguística europeia. Nasceu, como os sumérios, não se sabe de onde. Aliás, é hilariante ler o basco. Parecem letras seleccionadas de forma aleatória no alfabeto. Isto está bem patente nos textos mais longos que se podem ler, nos museus, por exemplo. E, seguindo o exemplo, diverti-me imenso a ler, no Guggenheim de Bilbau, um texto longo em basco. Curiosamente, não encontrei palavras rigorosamente iguais às espanholas, ou às francesas. Mas encontrei estas: "artista"; "ideia formal"; "pintura". O suficiente para este palerma luso ficar todo emproado.

IN "VISÃO"
01/08/16

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