Transição de Carreira – causas versus consequências
PARTE I
Recordo este momento do ano transato onde evidenciei em alguns artigos,
estudos referenciados da pré época e que a bola.pt muito me honrou
tornar público e que ainda se encontram registados na página e que, já
agora, aconselho a revisitar.
Agora que terminamos um espaço
competitivo nivelado nalguns casos à máxima expressão substantiva, irei
refletir com os meus estimados leitores numa matéria algo preocupante e
de premente atenção, como é a transição de carreira desportiva, sua
causalidade e possíveis consequências.
O abandono de carreira ou
transição da mesma, deverá merecer uma especial atenção, logo a partir
do momento que a mesma se inicia, no sentido dos atletas se prepararem
individualmente de acordo com os recursos pessoais, experiências e
estratégias a percorrer. Esse acontecimento pode representar para uns
estados de pressão, intranquilidade e crise, enquanto para outros, dum
estado de alívio.
Sabe-se que o tempo de prestação em alto rendimento
e o seu elevado grau de exigência para a função é muito mais curto do
que a maioria das carreiras. Para muitos, o desempenho de elevada
competência, exercido e potenciado pela sua entrega total, pouco tem a
ver com a inclusão noutras áreas e, por isso, por vezes vacilam e
desistem.
Por outro lado, o investimento na prestação atlética e
competitiva poderá proporcionar uma série de privilégios, insuscetíveis
de perpetuação, após o afastamento da atividade. Tal facto pode por
vezes colocar a questão sobre o porquê de uma carreira tão limitativa,
no seu aspeto temporal. A razão apontada para a generalidade dos
jogadores é uma e apenas uma: a paixão pelo que se faz, o amor ao
futebol. Os benefícios retirados de uma carreira com sucesso, ao mais
alto nível, refletem-se muitas vezes, nas palavras dos próprios, no
índice de auto realização pessoal, mas também no robustecimento do
“aspeto financeiro”. Fatores esses que, no mundo da transição, podem
funcionar no sentido contrário, levando a que entrem em declínio, por
não viverem no mundo real.
Nos diversos estudos realizados,
alguns autores: Lavalle e Wylleman (2000); Maurphy (1995) e Olgilvie
(1998) e eu próprio, Neto, J.; (2010), referimos como fatores mais
significativos da causalidade na transição de carreias, a idade, a
existência de lesões, a simples dispensa ou a livre escolha do próprio.
Um
outro elemento a ser referido como causa perturbadora na transição de
carreira tem a ver com o medo de ser dispensado. Essa brutal realidade
de deixar de merecer confiança da equipa técnica ou dirigente na
manutenção de capacidades, até então superiormente desempenhadas, pode
assumir uma expressão mesmo dramática para o atleta.
Outras
causas derivadas da anterior, podem resumir-se no facto da incapacidade
de respostas físico-atléticas devido ao avanço da idade. Por vezes é o
próprio atleta, por sua iniciativa a retirar-se, tendo assim a
possibilidade de estar mais tempo com a família, ou abraçar outros
projetos de vida; no entanto existe sempre um certo grau de dificuldade
no momento do abandono, muito em especial quando os níveis de
performance assumiram um estado de excelência, demonstrando essa
identidade atlética perante uma plateia difícil de reeditar noutras
vertentes profissionais.
Os autores atrás referidos juntamente
com Werthner & Orlick (1996) e confirmados por mim próprio (2011),
referem o caso dos atletas que se retiraram devido à existência e
prevalência de graves lesões, experienciaram severo stress psicológico,
manifestado em depressões, uso e abuso de substâncias, incluindo
pensamentos e tentativas de suicídio. Ainda se acrescenta um conjunto de
reações experienciadas como seja: formas extemporâneas, e por vezes
persistentes, dum estado de luto, perda de identidade, separação e
solidão, medo e ansiedade e até um estado crítico de angústia pela perda
duma importante parte do seu “eu”. Um eu social, porque este eu,
digamos, personalístico, é um constructo mental e social.
Sabemos
que, duma forma geral, os atletas, devido à dedicação
extraordinariamente profissional à aquisição e manutenção de altas
competências, declinam a atenção noutros vetores educacionais e
formativos na aprendizagem da vida, tendo por conseguinte, muita
dificuldade de integração noutras áreas profissionais após o abandono da
carreira desportiva.
Seguindo esta linha de orientação, surgem
alguns casos de revelado interesse para objeto de reflexão. Algumas
medidas reativas do afastamento que conduzem ao abuso do álcool, aumento
do tabagismo, negligência de higiene pessoal, abandono da manutenção e
controle duma condição física adequada. Pelo contrário, os atletas que
se mantinham ocupados, continuando a treinar de forma regular,
formulando novos objetivos de conquista, sujeitos a um grande apoio
social e preparando antecipadamente a sua retirada, apresentaram baixos
níveis de ansiedade e maior capacidade de confronto com os problemas
inerentes à transição de carreira já evidenciados.
Como é também a
esta luz que importa interpretar alguns casos de longevidade desportiva
ao mais alto nível de atletas, como Paolo Maldini ou do próprio Luís
Figo.
“Porque o Futebol é organ (trabalho criativo e gostoso) e
não ponos (trabalho duro e punitivo), é nomos (regra e respeito), mas
também ludus (jogo, brincadeira) – e a ludicidade é o catalisador por
excelência da criatividade e da auto – realização” (Antunes de Sousa,
2010).
Neste âmbito, será importante programar um conjunto de medidas
no sentido de ajudar os atletas a ultrapassar as dificuldades que se
podem reportar a uma transição de carreira, inserindo-os num novo estado
participativo da vida, que muito espera de quem pelo desporto lhe deu o
suor misturado tantas vezes com as lágrimas da ingratidão … ou
porventura abençoadas pela força da razão.
Procurarei referenciar algumas dessas medidas no próximo artigo.
29/07/16
PARTE II
A transição da carreira desportiva deverá assumir-se como um processo
dinâmico que necessia de ter o seu início nos primeiros anos da carreira
(formação) e prosseguir ao longo da carreira profissional de futebol. É
um processo que deverá ocorrer a um nível multidimensional envolvendo a
interação de vários fatores: emocionais, psicossociais, comportamentais
e cognitivos que afetam o indivíduo e seu ambiente.
Para que se possa experienciar uma transição de carreira desportiva, estimamos que o atleta se deve iniciar em atividades de preparação orientadas para desenvolver a atenção, compreensão e estratégias de coping associadas com a transição de carreira desportiva, antes do final da sua carreira profissional futebolística.
As estratégias sugeridas para mitigar o efeito negativo na transição da carreira desportiva, incluem:
- Fazer algum tipo de formação, ao nível académico (gestão desportiva, curso de treinador, scouting, etc…)
- Participar em aconselhamento e análise vocacional identificando e participando em áreas de interesse que possam não ser propriamente desportivas.
- Integrar o estudo e avaliação dum programa de apoio académico (ao nível das novas oportunidades) e programa de apoio para abertura de novas empresas ou negócios.
Como sabemos, os ex - atletas apresentam um grau de consciência bastante elevado, sendo por isso possível, sugerir, em função das preocupações transmitidas por estes, que os jogadores possam se avisados e aconselhados quanto aos desafios sociais, psicológicos e comportamentais passíveis de serem experienciados durante a sua transição de carreira desportiva da Liga Profissional de Futebol. As questões que precisam de ser equacionadas são principalmente:
- Identidade atlética – atletas que são capazes de se definirem a si próprio de uma forma vincada. Estes experienciam adaptações mais negativas no processo de transição de carreira, não tanto enquanto participantes ativos, mas na adaptação a novo estilo de vida.
- Dor física – incapacidade de responder fisicamente às exigências perante o “conflito” competitivo com duas respostas: ganhar e voltar a ganhar.
- Dor emocional – a modulação de resposta emocional também parece estar ligada a um certo lastro de segurança familiar e financeira – quem se auto perceciona como tendo recursos, projeta-se mais seguro no pós – competição. A contrária, é por isso, igualmente válida para aqueles que não se consideram tão bafejados pela sorte. Para estes, os riscos inerentes à imprevisibilidade do futuro aumenta significativamente.
- Perda de amizades, estatuto de celebridade, camaradagem.
-Risco de comportamentos negativos, como por exemplo, beber excessivamente, abuso de substâncias prejudiciais à saúde.
Se estas questões forem trabalhadas com qualidade, os jogadores poderão experienciar uma transição de carreira desportiva com muito sucesso.
Não devemos também esquecer a importância do contributo e da responsabilidade social dos clubes/SAD como forma de garantir a sustentabilidade do Homem que se encontra por detrás do jogador – estrela que se foi.
Esta área da Responsabilidade Social Corporativa (CSR) que tem atraído considerável interesse no que à gestão diz respeito a nível do estrangeiro, mas que raramente tem sido avaliado e explorado na área da pesquisa nacional. Segundo Breitbarth e Harris (2008) “ao realizar a literatura de markting, desporto e gestão, este artigo considera que o papel da CSR no negócio do futebol apadrinhará a competitividade do jogo e criará valor adicional para os acionistas”, propondo “ um modelo conceptual que delineie um papel de agente de futebol tendo em vista a criação de um valor humanitário, cultural, político, social e de segurança”.
Uma medida fundamental para que o processo da transição de carreira não conduza aos estados de declínio existencial referidos no número anterior e para além do que já foi mencionado, será a relevância à continuidade de prática desportiva, proporcionando o crescimento em termos de valores da amizade, responsabilidade, respeito, coesão de grupo, capacidade de superação, regímen alimentar e continuidade do respeito pelos hábitos de rotina, para além do fenómeno mais importante que é a contribuição pela prática desportiva para o estado de uma vida saudável.
Um apelo para que as organizações desportivas (Federações, Liga, Associações, Clubes, Sindicatos, Autarquias) assumam a sua responsabilidade social no enquadramento dos desportistas durante o seu ciclo de vida, preparando o Homem para o futuro, condição que garantirá o sucesso durante o período de transição pós carreira desportiva.
O desporto só pode ser visto como instrumento de formação para a qualidade de vida e não uma mera indústria, cuja principal matéria/prima são as pessoas e jamais devemos permitir que essas, que outrora enchiam os estádios com hossanas de encanto, venham a ser trituradas sem possível reciclagem. Outrora robustecidas por focos geradores duma paixão coletiva, passam de ícones de aplauso ao desencanto prostrado pelo silêncio do desconhecido.
Porventura todos observamos as exigências do tipo comercial (lei do mercado) que coisificam e degradam até à condição de mera mercadoria o atleta de alto rendimento.
A acompanhar tudo isto e em termos de formação, o ainda deveras preocupante no afã depósito de muitos pais e outros agentes, que ao detetarem numa criança sinais de talento, a fazem entrar à força numa espécie de forja de craques, sugando-lhe aquilo que para ela se torna mais importante: o espaço lúdico para crescer.
Quando se quer à viva força enxertar no homem o craque, este, a acontecer, é à custa do homem que aparece e após a fulguração da estrela cadente, o vazio, o abandono e a solidão!...
Para que se possa experienciar uma transição de carreira desportiva, estimamos que o atleta se deve iniciar em atividades de preparação orientadas para desenvolver a atenção, compreensão e estratégias de coping associadas com a transição de carreira desportiva, antes do final da sua carreira profissional futebolística.
As estratégias sugeridas para mitigar o efeito negativo na transição da carreira desportiva, incluem:
- Fazer algum tipo de formação, ao nível académico (gestão desportiva, curso de treinador, scouting, etc…)
- Participar em aconselhamento e análise vocacional identificando e participando em áreas de interesse que possam não ser propriamente desportivas.
- Integrar o estudo e avaliação dum programa de apoio académico (ao nível das novas oportunidades) e programa de apoio para abertura de novas empresas ou negócios.
Como sabemos, os ex - atletas apresentam um grau de consciência bastante elevado, sendo por isso possível, sugerir, em função das preocupações transmitidas por estes, que os jogadores possam se avisados e aconselhados quanto aos desafios sociais, psicológicos e comportamentais passíveis de serem experienciados durante a sua transição de carreira desportiva da Liga Profissional de Futebol. As questões que precisam de ser equacionadas são principalmente:
- Identidade atlética – atletas que são capazes de se definirem a si próprio de uma forma vincada. Estes experienciam adaptações mais negativas no processo de transição de carreira, não tanto enquanto participantes ativos, mas na adaptação a novo estilo de vida.
- Dor física – incapacidade de responder fisicamente às exigências perante o “conflito” competitivo com duas respostas: ganhar e voltar a ganhar.
- Dor emocional – a modulação de resposta emocional também parece estar ligada a um certo lastro de segurança familiar e financeira – quem se auto perceciona como tendo recursos, projeta-se mais seguro no pós – competição. A contrária, é por isso, igualmente válida para aqueles que não se consideram tão bafejados pela sorte. Para estes, os riscos inerentes à imprevisibilidade do futuro aumenta significativamente.
- Perda de amizades, estatuto de celebridade, camaradagem.
-Risco de comportamentos negativos, como por exemplo, beber excessivamente, abuso de substâncias prejudiciais à saúde.
Se estas questões forem trabalhadas com qualidade, os jogadores poderão experienciar uma transição de carreira desportiva com muito sucesso.
Não devemos também esquecer a importância do contributo e da responsabilidade social dos clubes/SAD como forma de garantir a sustentabilidade do Homem que se encontra por detrás do jogador – estrela que se foi.
Esta área da Responsabilidade Social Corporativa (CSR) que tem atraído considerável interesse no que à gestão diz respeito a nível do estrangeiro, mas que raramente tem sido avaliado e explorado na área da pesquisa nacional. Segundo Breitbarth e Harris (2008) “ao realizar a literatura de markting, desporto e gestão, este artigo considera que o papel da CSR no negócio do futebol apadrinhará a competitividade do jogo e criará valor adicional para os acionistas”, propondo “ um modelo conceptual que delineie um papel de agente de futebol tendo em vista a criação de um valor humanitário, cultural, político, social e de segurança”.
Uma medida fundamental para que o processo da transição de carreira não conduza aos estados de declínio existencial referidos no número anterior e para além do que já foi mencionado, será a relevância à continuidade de prática desportiva, proporcionando o crescimento em termos de valores da amizade, responsabilidade, respeito, coesão de grupo, capacidade de superação, regímen alimentar e continuidade do respeito pelos hábitos de rotina, para além do fenómeno mais importante que é a contribuição pela prática desportiva para o estado de uma vida saudável.
Um apelo para que as organizações desportivas (Federações, Liga, Associações, Clubes, Sindicatos, Autarquias) assumam a sua responsabilidade social no enquadramento dos desportistas durante o seu ciclo de vida, preparando o Homem para o futuro, condição que garantirá o sucesso durante o período de transição pós carreira desportiva.
O desporto só pode ser visto como instrumento de formação para a qualidade de vida e não uma mera indústria, cuja principal matéria/prima são as pessoas e jamais devemos permitir que essas, que outrora enchiam os estádios com hossanas de encanto, venham a ser trituradas sem possível reciclagem. Outrora robustecidas por focos geradores duma paixão coletiva, passam de ícones de aplauso ao desencanto prostrado pelo silêncio do desconhecido.
Porventura todos observamos as exigências do tipo comercial (lei do mercado) que coisificam e degradam até à condição de mera mercadoria o atleta de alto rendimento.
A acompanhar tudo isto e em termos de formação, o ainda deveras preocupante no afã depósito de muitos pais e outros agentes, que ao detetarem numa criança sinais de talento, a fazem entrar à força numa espécie de forja de craques, sugando-lhe aquilo que para ela se torna mais importante: o espaço lúdico para crescer.
Quando se quer à viva força enxertar no homem o craque, este, a acontecer, é à custa do homem que aparece e após a fulguração da estrela cadente, o vazio, o abandono e a solidão!...
* Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva;
Doutorado em Ciências do Desporto/Futebol; Formador de Treinadores
F.P.F.- U.E.F.A.; Docente Universitário.
IN "BOLA"
10/08/16
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