O choque do turismo
O emprego está a aumentar e por via de um dos sectores, o
turismo, que contribui também para corrigir as contas externas. Uma das
poucas boas notícias que estamos a ter. Agora é preciso não estragar.
Neste Verão que não vamos esquecer por causa do terrível incêndio
na Madeira e noutros pontos do país e marcados por um tempo de incerteza
em todas as frentes da economia, abre-se uma excepção. O emprego está a
aumentar por via de um dos sectores, o turismo, que contribui também
para corrigir as nossas contas externas. Nem tudo é mau.
O que se passou e está a passar no sector do turismo merecia ser
estudado. Portugal beneficiou dos males dos outros, como os problemas no
Norte de África e mais recentemente o terrorismo na Europa. Criou-se
uma oportunidade. Mas nós temos sido especialistas em perder
oportunidades. O que não aconteceu desta vez.
Autarcas, em Lisboa com António Costa, no Porto com Rui Rio, pequenos
e médios empresários que não foram impedidos pela burocracia e um
ex-secretário de Estado do Turismo que soube como promover o país
criaram um circulo virtuoso que nos permitiu aproveitar uma conjuntura
que nos era favorável.
A política de Adolfo Mesquita Nunes, nomeadamente na estratégia que
escolheu para promover Portugal, colocou Portugal no mapa. Em vez de
fazer filmes ou escolher slogans absurdos – lembram-se do Allgarve? – o
então secretário de Estado do Turismo usou os recursos para trazer a
Portugal quem influencia a escolha dos turistas, como as revistas
especializadas.
Claro que beneficiou do facto de o país já estar nessa altura a
mudar. Autarcas e Governo conseguiram evitar que a criatividade e
iniciativa de muitos micro e pequenos empresários não fossem destruídas
pelo emaranhado burocrata que é a marca do país. Pequenos negócios, como
os Tuk-Tuk ou os hostels, deram à cidade diversidade. Claro que
assistimos à habitual batalha dos instalados, como os hotéis
tradicionais e os taxistas, para combater essas iniciativas. Mas
conseguiu-se resistir à tentação de proibir e regulamentar de tal
maneira que só grandes empresários poderiam entrar no negócio.
Esta é outra das características diferenciadoras do que se passou no
sector do turismo. Abriu as portas a muitos pequenos negócios, alguns
com um nível de sofisticação na sua oferta que nada tem a ver com luxo
mas sim com a procura de experiências. Do turismo rural ao enoturismo,
dos hostels ao sofá lá de casa para passar a noite, dos pequenos hotéis
com mais do que apenas um quarto para dormir, é extraordinária a
iniciativa e criatividade de algumas ofertas no turismo.
Há muitos anos que os economistas viam no turismo uma oportunidade
para a economia portuguesa. Primeiro fizemos asneiras. O que aconteceu
em algumas zonas do Algarve e mesmo em Troia é um exemplo. O problema é
que quem se dedicada àquilo não tinha no negócio do turismo a sua
principal actividade. Era na realidade um construtor civil. Fez cimento e
não uma oferta turística de qualidade. O que de positivo se está hoje a
passar é que, em muitos casos, a construção nem entra na cadeia de
valor.
Outro aspecto que fazia com que alguns economistas vissem aspectos
negativos no turismo era a condenação de Portugal às baixas
qualificações. Criava emprego sim, diziam, mas empregados de hotéis e de
restaurantes. Mas a procura dos turistas mudou. Hoje temos esses postos
de trabalho mas há muitos outros que proporcionam aos turistas
experiências que só quem é qualificado consegue criar. Enoturismo,
turismo de natureza com passeios dos mais diversos, turismo gastronómico
ou simplesmente de conhecimento do país são uma marca criadora de valor
muito superior ao sol, praia, café e restaurante.
Há ainda a uma outra característica da oferta turística que cria um
valor enorme para a sociedade. Os pequenos negócios, que a internet
possibilitou, abriram espaço ao desenvolvimento de sistemas económicos
locais e viabilizou muitas pequenas localidades. Alugar a casa que se
tem e não usa, um quarto lá em casa ou até o sofá da sala dá a quem
viaja uma experiência única e às famílias de praticamente todo o país,
se assim o quiserem, um rendimento adicional. Que se contagia ao sítio
onde vivem.
Todo o sistema de criação de valor deste novo turismo é
extraordinário. O que é preciso agora é não estragar. E há riscos. Os
estados devoradores e regulamentadores que temos podem cair na tentação
de ver ali mais uma mina para os seus tesouros ou podem ainda ceder aos
grupos de pressão que pululam nos corredores do poder. E que adoram as
regulamentações que criam barreiras à entrada de pequenos empresários.
Até agora não tem acontecido. Mas de vez em quando lá surgem algumas
tentativas como a mais recente de queixas por falta de casas para
arrendar.
Claro que o turismo não chega para nos trazer o crescimento económico
de que precisamos. Mas, para já, nestes tempos de crise, foi um
importante amortecedor. A recessão teria sido pior sem os turistas. E o
que aconteceu no sector dá uma importante lição: as pequenas e médias
empresas podem gerar um crescimento equilibrado quer para as pessoas
quer para as regiões. Um dos erros que cometemos no passado foi querer
criar “uma das maiores empresas” disto e daquilo.
IN "OBSERVADOR"
11/08/16
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