O inominável
Em 40 anos de democracia nunca presenciei, como agora, um tal
espectáculo de grosseria e despudor e de falta de respeito pelo serviço
público por parte de um político com responsabilidades públicas.
Tive o privilégio de ter a colaboração do Professor António Lamas
como Presidente do IPPC e, desde aí, pude, todos puderam, nos últimos 30
anos, acompanhar a sua brilhante carreira como universitário e gestor
público.
Raríssimas vezes se veem reunidas numa mesma pessoa visão clara,
capacidade de concretizar e um inabalável entusiasmo, gosto genuíno,
pela obra e pela realização, como no caso de António Lamas.
António Lamas tem obra feita, nos vários cargos públicos que lhe foram cometidos.
Num dos últimos, o de presidente do Monte da Lua-Parques de Sintra,
com base numa investigação rigorosa e um saber técnico assinaláveis,
recuperou – também financeiramente – um dos mais valiosos e emblemáticos
conjuntos patrimoniais portugueses.
A ele se deve também, em larga medida, a existência do Centro Cultural de Belém.
António Lamas acaba de ser publicamente insultado e despedido pelo membro do governo que tutela o CCB.
Desconhecemos – ninguém conhece, julgo – qual o argumento político ou
de política cultural que fundamenta esta destituição. Não é conhecida
até à data, ao governante, uma única ideia. Nada poderia, aliás,
justificar o método e a linguagem destemperada e grosseira ouvida de um
ministro.
Uma campanha contra o plano para o eixo Ajuda-Belém (que se encontra
publicado e disponível para crítica e discussão) de que o Prof. António
Lamas foi encarregue, através de uma Resolução do Conselho de Ministros,
fora já iniciada sob falsos pretextos, neste caso o de ausência de
contactos com a Câmara Municipal de Lisboa. Sei que os houve.
Podemos supor, supor apenas, as várias motivações, já que nenhum
comentário substantivo quanto ao plano foi até hoje conhecido ou tornado
público pelos seus opositores, que antes escolheram as armas do
assassinato de carácter, o ataque pessoal, ou até a silenciosa obstrução
burocrática, como a que foi feita, por quem a pôde fazer, ainda durante
o anterior Governo.
O enunciado político e o processo são componentes essenciais da
democracia. Na sua ausência, resta a gestão – o assalto – aos lugares,
ao sabor da sofreguidão pessoal, da vinculação partidária ou de outras
fidelidades.
Em 40 anos de democracia nunca presenciei, como agora, um tal
espectáculo de grosseria e despudor e de falta de respeito pelo serviço
público por parte de um político com responsabilidades públicas. Lamento
ainda que seja a propósito de um tão digno servidor do Estado e tão
honrado cidadão.
IN "OBSERVADOR"
01/03/16
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