Dez dicas para tornar
a adoção de um gato
o menos traumantizante possível
Com calma e paciência, poderemos facilitar a introdução de um novo animal de estimação na nossa vida, no nosso núcleo familiar, humanos e outros animais incluídos
A
adoção de um gato significa sempre uma mudança na vida do tutor, assim
como na do animal. A decisão deve ser ponderada por forma a avaliar se
temos efetivamente condições para o ter e de lhe proporcionar a
satisfação das necessidades básicas da espécie. Decisão tomada de trazer
para casa um gato adulto ou um gatinho bebé, devemos fazer o possível
para que a adaptação seja o menos traumática possível. Uma mudança de
ambiente é sempre muito stressante para um felino e pode demorar algumas
semanas até que este se sinta relaxado na sua nova casa. As próximas
dicas vão ajudar a que esta adaptação ocorra da melhor forma possível,
do ponto de vista do gato.
1 - As primeiras horas do seu novo
gato em casa, poderão condicionar a forma como ele aceitará a sua nova
vida. Primeiro que tudo deverá estar preparado para ser paciente e nunca
deverá precipitar-se forçando o animal a fazer coisas para as quais ele
pode ainda não estar pronto. É importante providenciar um sitio calmo,
seguro, tranquilo, mesmo antes da chegada do novo membro da família.
Este local deve incluir:
- uma área para a comida e outra para a água, em locais separados.
- pelo menos um tabuleiro de areão, o mais afastado possível da comida e da água, numa zona resguardada mas de acesso fácil.
- algo para servir de esconderijo (pode ser simplesmente uma caixa de cartão, revestida com um cobertor quente e macio).
- acesso a zonas elevadas, de onde possa observar o ambiente que o rodeia e que necessita controlar.
- uma zona confortável para dormir ou, idealmente, a possibilidade de escolher o local de repouso.
- um poste para arranhar, próximo do local onde dorme.
-
alguns brinquedos moveis (tendo em conta que para este predador o
movimento é muito importante) e espaço para brincar, mas nunca usando
partes do corpo, como as mãos ou os pés.
- um difusor elétrico de uma feromona facial sintética, que poderá adquirir no seu veterinário.
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- O gato vive no mundo dos odores. A adaptação será muito mais fácil se
a nova casa estiver impregnada com um cheiro familiar. Por isso, antes
de o trazer para casa leve um cobertor, ou uma peça de roupa, da sua
casa para o local onde está ainda a viver e deixe-o lá ficar durante uns
dias. Traga-o de volta junto com o gato, no dia da mudança, forrando
com ele a caixa transportadora e depois o local de descanso.
3 -
Sendo um animal territorial e uma criatura de hábitos, o gato é muito
ligado ao ambiente que lhe é familiar. As viagens são para ele muito
stressantes, e as mudanças difíceis de suportar. Para o ajudar a tolerar
o melhor possível a viagem de carro, use uma transportadora segura,
forte e lavável, forrada com o tal cobertor que falei no ponto anterior e
coberta com uma toalha, de preferência de tom claro, para deixar passar
alguma luz. Esta mesma transportadora deverá ter sido borrifada, no seu
interior, com as feromonas sintéticas, comercializadas em spray, cerca
de 15 minutos antes de lá instalar o animal, por forma a dar tempo a que
o álcool se evapore.
4 - Quando chegar a casa, deixe o gato
sozinho durante cerca de 1 hora, para que este possa calmamente explorar
a divisão que lhe reservou. Alguns gatos podem precisar de mais tempo.
Quando entrar no local, baixe-se ao nível do animal, chame-o calmamente e
em tom baixo. Espere que seja ele a vir ter consigo. Se este escolher
esconder-se, não o force a sair do esconderijo. Sente-se e vá mantendo
contacto auditivo, falando pausadamente e em voz baixa. Dê-lhe todo o
tempo que ele precisar, mas continue a visitá-lo, até se habituar à sua
presença. Desde que este esteja a comer e a usar o tabuleiro é porque
tudo está bem e só precisa de mais tempo de adaptação. Pode experimentar
oferecer-lhe prémios comestíveis ou tentar encetar uma brincadeira
atrativa, utilizando uma cana de pesca para gatos, com algumas penas na
ponta. Brincar é uma ótima ferramenta, uma vez que promove a interação
entre o tutor e o gato, é menos intimidante que o contacto físico,
alivia o stress, providencia estimulação cognitiva e o exercício físico.
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- Se adotou um gatinho bebé o procedimento correto é ligeiramente
diferente, uma vez que este não deve ser deixado sozinho, a não ser
quando já estiver instalado. Providencie uma cama/esconderijo ao nível
do solo (pode ser uma caixa de cartão), deixe-o explorar a zona durante
uns minutos para, logo se seguida, lhe mostrar onde está o tabuleiro da
areia, a comida e a água. Como, provavelmente, acabou de deixar a
companhia da mãe e irmãos sentir-se-á um pouco perdido quando for
deixado sozinho. Um brinquedo macio e um radio com o volume baixo,
poderão ajudar o gatinho a sentir-se acompanhado.
6 - Quando o
gato parecer confiante, apresente-lhe os restantes membros da família,
um de cada vez. As crianças ficam normalmente excitadas com a chegada de
um animal. Tente que fiquem o mais calmas possível e mostre-lhes a
maneira correta de interagir com o novo membro da família. Mesmo o gato
mais dócil poderá defender-se se for apertado, agarrado ou esticado. É
preciso que estas compreendam que o gato não é um brinquedo e que, se
for incorretamente abordado, poderá reagir. Os gatinhos bebés são
particularmente delicados e podem sair seriamente magoados se
incorretamente manipulados. Precisam também de dormir a maior parte do
dia e, se os períodos de descanso não forem respeitados, podem advir
problemas para a saúde, para além de um comportamento mais irascível.
Para além de tudo, há gatos que tiveram pouco contacto com humanos, ou
que viveram experiencias traumática com estes. Sobretudo seja paciente…
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- Se não for tutor de outros animais e quando o gato já lhe parecer
adaptado a este espaço, está pronto para explorar o resto da casa.
Facilite-lhe o acesso gradual a cada uma das restantes divisões, mas
permitindo-lhe o regresso ao ponto de partida, sempre que este o queira.
Irá considerar este espaço o local seguro e voltará a ele sempre que se
sentir ameaçado. A tarefa estará facilitada se utilizar difusores de
feromona facial em locais estratégicos e colocar noutras divisões mantas
macias já utilizadas pelo gato, por forma a se sentir confortado pelo
odor familiar.
8 - Sair para o exterior requer mais cuidado e
planeamento. Nunca o permita antes de 3 ou 4 semanas de adaptação à
casa. Este período é variável conforme a facilidade com que o gato
aceitou a sua nova vida, e por isso poderá ser superior a esta
estimativa. Cuidado se ainda não foi esterilizado. Não só poderão nascer
ninhadas indesejadas, como o gato poderá contrair algumas doenças
sexualmente transmissíveis, tais como a leucemia ou o síndrome da
imunodeficiência felinas. Estas doenças podem ser também transmitidas
por via salivar, durante uma luta. Certifique-se que está vacinado antes
de o deixar sair. Nas primeiras incursões pelas redondezas deve sempre
ser permitido o retorno a local seguro, para que possa fazer explorações
graduais. Coloque sempre uma coleira com fecho de segurança, que
permita a sua fácil saída pela cabeça, no caso do animal ficar preso em
qualquer obstáculos. Caso contrário há o risco de enforcamento.
Aproveite este adorno para pendurar a identificação com o seu contacto
telefónico. Os gatinhos não devem permanecer no exterior sem supervisão.
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- Se existirem outros gatos na casa, apresente-os de forma cautelosa e
controlada. A primeira impressão é muito importante e um primeiro
contacto negativo poderá dar origem a conflitos permanentes, difíceis de
ultrapassar. São animais territoriais que funcionam muito bem por conta
própria e que se empenham em manter outros gatos fora do seu espaço.
Portanto não esperem uma harmonia instantânea. No entanto, se não houver
competição pela comida ou por zonas de descanso, podem-se tolerar ou
mesmo vir a ser bons amigos.
- antes de apresentar os próprios
gatos, apresente primeiro o seu odor. Acaricie cada um deles com uma
luva de algodão puro sem viscose ou outros constituintes, identificada
com o nome de cada um e deixe essa mesma luva no espaço do outro. Repita
diariamente, até que não haja reação negativa à presença da luva.
-
o passo seguinte será o de se poderem ver mas não tocar. O ideal será
uma porta se vidro, por forma a que os gatos se possam aproximar ou
fugir sempre que quiserem. Não os coloque fisicamente na presença uns
dos outros enquanto não mostrarem sinais de que estão descontraídos
quando visualmente em contacto. Estes sinais incluem o cuidado do pelo
(grooming), tocar com a cabeça nos objetos em redor, espalhando o odor
das feromona faciais, ronronar de forma relaxada, brincar, aceitar as
carícias de forma aprazível.
- quando isto acontecer tente então o
contacto físico. Certifique-se de que qualquer dos gatos terá a
possibilidade de fugir, esconder ou posicionar-se em local elevado, para
poder observar o espaço. Idealmente faça-o numa sala espaçosa, sob a
sua supervisão. Foque a atenção dos gatos em si, oferecendo prémios
comestíveis ou brincando com cada um deles, para que associem a presença
uns dos outros a emoções positivas.
- faça estas primeiras
apresentações por curtos períodos e vá aumentado gradualmente os tempos
de contacto. Se algum deles se mostrar agressivo ou desconfortável,
recue até ao passo anterior.
- se tudo for feito com cuidado será
pouco provável que lutem fisicamente, mas tenha um cobertor preparado
para essa eventualidade. Cuidado porque pode sair arranhado ou mordido.
Mantenha a calma mas seja firme ao envolver o gato no cobertor. Não
grite ou agrida qualquer deles, para que a experiencia seja o menos
traumática possível e seja mais rápida a reconciliação.
-
conforme os gatos vão ficando mais confortáveis na presença uns dos
outros vá encorajando a aproximação utilizando as taças de comida ,
primeiro afastadas, para depois ir aproximando gradualmente. Mantenha as
taças afastadas da parede, para que se possam posicionar de costas para
esta e observar o espaço envolvente. Nunca as coloque lado a lado.
-
se algum dos gatos estiver fora durante algum tempo, como, por exemplo,
devido a visita ao veterinário, internamento ou permanência num gatil,
pode não ser odorificamente reconhecido pelos seus companheiros, quando
regressa. Quanto mais tempo estiver fora, mais difícil será a
reintegração.
No regresso a melhor estratégia será fazer a apresentação
gradual, como se se tratasse de um gato novo. Desta forma poderá
melhorar dramaticamente a qualidade de vida dos gatos que vivem em casas
com outros congéneres. Se não estiver a conseguir resolver o problema,
aconselhe-se com o seu médico veterinário o mais cedo possível. Este
poderá referenciar o caso para um veterinário especialista em
comportamento.
10 - Apesar de cães e gatos serem classicamente
considerados inimigos, é, normalmente, mais fácil apresentar um novo
gato a um cão do que a outro gato. Mas mesmo assim a introdução gradual
será a melhor estratégia. Será mais fácil se o gato tiver tido
experiencias positivas com cães, enquanto gatinho e vice versa. Mantenha
o gato numa área da casa onde o cão não tenha acesso. Faça a
apresentação de ambos, da mesma forma que falamos para os gatos, antes
do contacto físico. Quando ambos parecerem prontos, tome alguns cuidados
acrescidos:
- mantenha o cão à trela e incentive-o a manter-se calmo… será mais fácil se tiver dado antes um grande passeio.
-
treine o cão a responder a alguns comandos, como o senta, deita ou fica
e vá reforçando positivamente os comportamentos relaxados.
-
certifique-se de que o gato não se sente encurralado… deverá ter acesso a
corredor de fuga, para além de local para se esconder, a salvo das
investidas do cão
- verifique que as portas e as janelas estão fechadas, para evitar qualquer possibilidade de pânico e fuga.
- ignore o gato, pois o cão terá tendência para focar o seu interesse naquilo que prende a atenção do tutor.
- faça pequenos exercícios cognitivos com o cão, para manter a atenção focada em si e vá premiando bons comportamentos.
- nunca agarre o gato nem o obrigue a aproximar do cão… deixe-o sair da sala sempre que quiser.
- nunca permita ao cão perseguir o gato em fuga… quando este se acalmar, volte a trazer o gato para a sala.
- repita períodos de convívio, até o cão se mostrar calmo na presença do gato e este parecer descontraído.
- vá premiando o gato, para que este associe o cão a emoções positivas.
-
retire então a trela, mas certifique-se de que o gato poderá fugir ou
esconder-se… nunca os deixe sozinhos até ter absoluta certeza de que se
sentem felizes e seguros na presença um do outro.
- lembre-se que
a comida do gato e a caixa de areia são muito atrativas para o cão…
assegure-se que não estão acessíveis, para permitir ao gato alimentar-se
e eliminar em paz.
Com calma e paciência, poderemos facilitar a
introdução de um novo animal de estimação na nossa vida, no nosso núcleo
familiar, humanos e outros animais incluídos. Ponderação inicial pode
fazer toda a diferença entre uma vida de conflito ou um convívio
harmonioso de anos. Antes de tomar qualquer decisão de adotar um animal,
pondere bem se tem disponibilidade logística e sentimental para o
fazer. Uma decisão deste género implica anos de convivência onde pode
ter tudo a ganhar. Mas se as coisas não correrem bem a relação poderá
ser traumática para todas as partes envolvidas. Mais uma vez recomendo
PACIÊNCIA: é a palavra chave.
Veterinária e autora de livros sobre animais. Nasceu a 27 de Julho de 1968, em Setúbal, cidade onde passou toda a infância e adolescência. Desde muito cedo sentiu uma forte empatia por todos os bichos, tomando precocemente a decisão de ser veterinária. Durante o ensino secundário, destacou-se na área de escrita criativa, recebendo alguns prémios literários. Terminou o curso de Medicina Veterinária, na Universidade Técnica de Lisboa, em 1993, iniciando de imediato sua carreira profissional. Trabalha, desde 1994, na Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, na área de medicina e cirurgia de animais de companhia. É casada com um colega de profissão, mãe de duas filhas, de 16 e 6 anos. Atualmente é tutora de 4 gatos, 1 cão, 1 cabra anã e 3 tartarugas, mas no passado, porquinhos-da-índia, coelhos e até um bode fizeram parte do seu agregado familiar.
IN "VISÃO"
10/02/16
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