«As Mulheres e o Futebol
– O Erro de Mourinho»
Assisti, no último fim de semana, aos momentos
selecionados pela televisão inglesa BBC, programa Match of the Day Two,
do jogo West Ham - Chelsea. Este facto acentuou uma preocupação que não
me larga e que me levou, há dois ou três dias, a escrever no Facebook,
naquele ponto onde nos pergunta: ‘Em que é que está a pensar?’, aquilo
em que, justamente, ando a pensar: ’Quem anda a tramar o Mourinho?’.
No
dia seguinte, encontrei uma única resposta, vinda de Angola, do meu
aluno Genivaldo Dias que escrevia: ‘O Tempo, pois tá claro!’. Fiquei a
pensar e, logo que sobrou um pouco de tempo, acabei por partilhar a
minha preocupação, e escrevi: Boa tarde, amigo Genivaldo. O tempo, a
experiência de José Mourinho, permitem-lhe estar no auge da sua
atividade como treinador. O Nº1. Ou permitiriam estar no auge. Vencer o
campeonato inglês num ano e ficar totalmente à deriva, no ano seguinte,
não é normal. Diante dessa situação, e conhecendo a dedicação total
desse homem ao seu trabalho, é de questionar o que se passa. Tanto mais
que, obviamente, José Mourinho não está a conseguir encontrar a forma
certa de lidar publicamente com uma situação que lhe está a criar sérias
dificuldades e a demolição da sua imagem de ser o melhor treinador do
mundo.
Ou seja, uma situação que, NÃO SEJAMOS INGÉNUOS, não terá
deixado de criar inveja por todo o lado. SENDO ASSIM, E DIANTE DO
ESPECTÁCULO DOLOROSO DE VER UM HOMEM QUE É UM PROFISIONAL EXEMPLAR (TAL
COMO CRISTIANO RONALDO) a ser submetido a esta situação invulgar no seu
currículo, só posso perguntar, como será legítimo, ‘quem anda a tramar
JM, ou Mou?’, como carinhosamente o chamam os ingleses. E aqui entra
outro aspecto. Mourinho sempre confiou nos seus jogadores, nas suas
equipas técnicas. Será daí que vem ‘a trama’? Daqueles em quem ele
depositou, como homem honrado, a sua confiança? Alguém anda a minar a
sua credibilidade. Esta é que é a questão. Nem em toda a minha vida eu
vou ganhar uma décima do que ganha justamente o JM. Nem por isso posso
deixar de pensar: ’quem anda a tramar o rapaz?’.
Como não
largo a pergunta, ou a pergunta não me larga a mim, pois não consigo
compreender, tenho andado, por um lado, a ouvir bons conselhos, ‘não te
preocupes, o Mourinho já ganhou milhões e se o despedirem vai ganhar
mais 50 milhões de libras’, o que não altera nada. Por outro, tenho
interrogado alguns especialistas do fenómeno futebol, em especial entre
os meus ex-alunos, e encontrei um deles, cuja opinião sempre respeitei, a
quem expliquei a minha preocupação e o facto de não compreender o que
se passa, desde os resultados ao próprio comportamento do Mourinho que
cada vez mais, parece-me, se enterra mais. Esse ex-aluno começou por me
dizer que não sabia. E sorria diante da minha preocupação. Eu explicava,
que não entendia e que sofria com o assunto. Então o meu ex-aluno
continuou, e disse-me que desde que o Mourinho invetivou ferozmente a
massagista, as coisas tinham começado a correr mal. A médica, corrigi
eu. Sim, a massagista, médica, centro de apoio dos jogadores, elemento
mais do que importante da equipa. O Mourinho cometeu um erro. E encolhia
os ombros, e sorria. Agora, os jogadores, manifestavam-se de forma
negativa, e quando os jogadores começam a ser expulsos isso era sinal de
que algo não estava a correr bem, certamente nos bastidores. Aí, eu
comecei a entender um pouco melhor. Agradeci, e segui caminho para as
aulas. O problema é que eu não estava completamente esclarecida.
Continuei a pensar no assunto.
Pelas palavras do especialista
consultado, o seu encolher de ombros, e o seu sorriso, era claro que ‘a
massagista’ era mais do que isso. Médica, naturalmente. Entravasse aí
naquela área do não dito, dos entendidos em matérias de homens e, em
particular, de futebol. Dormi sobre o assunto. O tempo, de Genivaldo,
trabalhava a favor de uma compreensão mais profunda das coisas. Na
verdade, ao atacar a senhora que havia corrido para o campo sem receber
sinal prévio para o fazer, a indicação que Mourinho deu, aos seus
jogadores, foi a de que o jogo e o seu resultado era mais importante do
que a integridade física dos jogadores. Entre os profissionais de
qualquer atividade, existem códigos. O respeito por cada um, e a defesa
de cada um, são regras fundamentais da vida em comum, do respeito comum.
Em especial, num desporto que, segundo o meu colega Jorge Castelo, não é
desporto, é espetáculo. Um espetáculo que é insaciável de vitórias, de
vencedores, de prémios e de milhões de benefícios. Mourinho é conhecido
por estar sempre do lado dos jogadores. De chamar sobre si a pressão dos
órgãos de comunicação, de desviar as pressões dos jogadores para si
mesmo e, desse modo, contribuir para libertar os jogadores dessa pressão
desgastante e prejudicial ao seu desempenho e rendimento. Ao atacar a
senhora, Mourinho transgredia esse código e isso, no mundo dos homens,
paga-se. Logo por azar, o médico, neste caso, era uma mulher e,
portanto, no mundo feroz, masculino e machista do futebol, a senhora,
que até aí havia sido a médica da equipa, passava imediatamente a ser ‘a
massagista’ e outras coisas mais das quais os jogadores dependiam e não
podiam viver sem elas, e sem ela.
Há alguns anos atrás, um
respeitado colega sociólogo, Ivan Waddington, da Universidade de
Leicester, Inglaterra, onde dirigia o Centro de Estudos de Sociologia do
Desporto, após demorada investigação sobre as lesões no desporto, viu o
seu centro de estudos ser encerrado depois de, na televisão, ter dado a
conhecer o resultado dos seus estudos, nos quais apresentava as
conclusões de que os jogadores de futebol e não só, diante dos valores
que haviam sido pagos pelos clubes, e os vencimentos que auferiam, eram
submetidos a exigências dos clubes que impediam a recuperação plena de
lesões feitas no decurso de jogos, ou de treinos, sendo muitas vezes
negligenciados pelos próprios médicos que, ao serviço dos clubes mais do
que dos jogadores, não hesitavam em submetê-los à aplicação de
medicamentos de efeitos rápidos para superarem as dores e a jogarem,
ainda que a recuperação das lesões estivesse longe de estar assegurada.
Esta é uma realidade que os jogadores conhecem na pele. Não precisam de
conhecer os estudos dos académicos. Essa é uma preocupação fulcral dos
profissionais que precisam, em primeiro lugar, de manter a sua plena
integridade física e mental. E, em segundo lugar, confiar no treinador.
Foi essa confiança, em meu entender, que Mourinho quebrou.
No
programa referido, Match of the Day Two, apresentado por Gary Lineker,
os comentadores afirmavam, diante das imagens do jogo e de um Mourinho
incapaz de ser racional e objetivo face às decisões acertadas da equipa
de arbitragem, que lhes custava ver Mourinho naquela situação, que todos
gostavam do Mourinho, mas que havia um sério problema de disciplina no
Chelsea. Mourinho tinha de o resolver. Na linguagem técnica do futebol,
existe um problema de disciplina na equipa do Chelsea. Na linguagem da
minha formação, existe um profundo problema de confiança. No centro, uma
mulher.
Professora Associada (c/ag.) da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa
IN "A BOLA"
01/11/15
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