Este artigo não é sobre
o tráfico de influências…
O que sei é que, no que toca à regulamentação do lóbi, tudo leva a
crer que Portugal não irá seguir o bom exemplo irlandês, que já
legislou este ano, mas o grego...
É bom que se entenda que soberania do Estado não significa exatamente
autismo. E que, se numa sociedade democrática, o interesse público
coexiste com o privado, as entidades estatais devem auscultá-lo e
compreendê-lo na sua justa medida. É nesse contexto que funciona o
lóbi.
Esclareça-se que na base dos fundamentos do lóbi está a defesa de
um interesse legítimo, mas também o beneficio de originar um fórum de
discussão para resolução de conflitos e ainda a possibilidade de
fornecer ao legislador ou decisor público informações, análises e
opiniões que permitam uma tomada de decisão mais equilibrada e mais
informada.
Em Portugal, foi anunciado que estava pronta a regulamentação do
lóbi. Mas parece que o Governo vai dar um passo atrás e deixar o
respetivo Decreto–Lei para as
calendas. Não faz sentido! Este é um dos mais importantes passos para a
criação da transparência do lóbi no nosso país e o tema não pode,
nem deve, ser adiado. Bem sei que os programas quer do PS, quer da
Coligação ‘Portugal à Frente’ abordam a questão do lóbi, mas
convenhamos que o Governo que se formar após as legislativas não
considerará o lóbi um tema prioritário, pelo que continuaremos a
esperar.
Desde 1997 que se aguarda a regulamentação da atividade e, até à
data, só este Governo teve a coragem de avançar com uma legislação
que regulasse o relacionamento entre as entidades privadas e as
entidades públicas. Está terminado, há alguns meses, um DL que
regulamenta a transparência das relações entre interesses privados, o
Governo e a Administração Direta e Indireta (que inclui as empresas
públicas, os institutos públicos, as direções-gerais) do Estado, há
consenso político alargado quanto à necessidade de existência da
legislação, mas o Governo ainda não o aprovou e, diz-se, que não o
irá fazer. Porquê? Porque é um tema sensível ou porque é um tema
mal percecionado pelo português comum.
Há que explicar, de forma clara, que a regulamentação do lóbi
implicará que, quem contactar uma entidade pública em representação
de um interesse legítimo necessitará, obrigatoriamente, de estar
registado. E tornará ainda possível que qualquer português com acesso
à internet possa saber, através de um mecanismo que regista esta
atividade, quem contactou quem, em representação de que interesse e
que informação e documentos foram entregues. Expliquem-me agora, como
pode considerar-se o lóbi um sinónimo de tráfico de influências e um
tema sensível para a classe política? Não pode. Pelo contrário, o
lóbi ocupará o espaço da atual informalidade, terreno ideal para o
tráfico de influências e para a corrupção.
Por outro lado, a maioria da classe política sabe que a criação de
um registo de transparência beneficiará, e muito, os seus níveis de
confiança e credibilidade junto dos portugueses. E os políticos
precisam rapidamente de voltar a receber a compreensão dos Portugueses
pois, caso contrário, continuarão a assistir a um violento aumento dos
níveis de abstenção, correndo mesmo o risco de, dentro de uns anos,
assistirem a eleições participadas apenas pelos simpatizantes e os
membros dos aparelhos partidários.
Fala-se ainda que o DL não avança porque é considerado mais
adequado legislar em simultâneo a atividade junto do Governo e da
Assembleia da República. Isto não faz qualquer sentido! O estatuto dos
elementos do Governo é diferente do dos deputados, nomeadamente no que
diz respeito à exclusividade de funções. Por outro lado, de acordo
com o artigo 198, nº2, da CRP, ‘É da exclusiva competência legislativa
do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e
funcionamento’.
A AR não pode legislar sobre essa matéria. Acresce ainda que existe
uma maior urgência em tornar mais transparente a atuação do Governo
do que a da AR, já que a atividade do primeiro envolve diretamente
negócios e operações de avultados montantes, o que não acontece na
segunda.
Qual é o problema de avançar agora com o registo de transparência
para o Governo e Administração Direta e Indireta do Estado e, na
próxima legislatura, com o da AR? Pois, não sei… O que sei é que, no
que toca à regulamentação do lóbi, tudo leva a crer que Portugal
não irá seguir o bom exemplo irlandês, que já legislou este ano, mas
o grego…
Presidente da AG da APECOM (Associação Portuguesa das Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas)
Managing Partner Wisdom
IN "OBSERVADOR"
04/08/15
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