O poder de incluir e de excluir
“(…) sabendo ler e escrever, nascem-lhe ambições (…). Largam a
enxada, desinteressam-se da terra (…). Que vantagens foram buscar à
escola? Nenhumas. Nada ganharam. Perderam tudo. Felizes os que esquecem
as letras e voltam à enxada. A parte mais linda, mais forte e mais
saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos.”
(Almeida e Castro)
Foi nisto que pensei quando, pela comunicação social, soube que há um
projecto-piloto que prevê a distinção entre turmas de bons e de maus
alunos na Região Autónoma da Madeira. Pretende-se provar exactamente o
quê? As opiniões divergem sobre este experimentalismo educativo. A minha
é mais uma.
Não surgiu até agora por parte da Secretaria Regional de Educação
qualquer tipo de desmentido. Bastava algo simples: “não há lugar para a
reprodução social nas escolas da Madeira.” Mas não. Não foi um engano.
Foi assumida a ideia de escola como instrumento de poder. Um poder que
tanto pode escravizar como emancipar.
Um poder que tanto serve à submissão como à autonomia. E quem tem o poder também tem o poder de incluir ou excluir (Silva, T.).
A escola democrática parece servir apenas ao espírito da lei portuguesa e
europeia e nada mais ambicionando, numa posição tão retrógrada que
envergonha o próprio senso comum. E voltei a me lembrar da enxada. Na
ênfase colocada no “carácter sensorial e concreto do pensamento das
ordens mais baixas em oposição às qualidades intelectuais, verbais e
abstractas do pensamento das classes superiores” (Goodson, I.).
Onde é que começa e acaba o valor do bem e do mal? É preciso ser cego
para não perceber que os valores são interpretações. Se se tiver a
quantificação e a célebre necessidade de disciplinas nucleares então é
muito mais fácil medir as cabeças dos nossos alunos (como se as médias
medissem a inteligência de alguém).
Eu não quero esclarecimentos, ou a simples assunção de que foi tudo um
erro de comunicação. Esta medida relembra posições de outros tempos, que
cheiram de longe a putrefação política. Temo que o darwinismo social
seja marcado por uma meritocracia que, longe de premiar, faz uma clara
cisão com os ideais de Abril.
Sem qualquer pudor a diversificação de modelos educativos tem servido
para categorizar alunos, professores, programas, currículos e escolas.
Tudo isto sempre foi feito de forma mais ou menos oculta. Mas quando é o
poder político a assumir a estratificação educativa o problema assume
proporções maiores e socialmente desastrosas.
A Madeira tem todas as condições para ser um exemplo nacional e europeu
em termos educativos. Sendo as regiões ultraperiféricas consideradas
laboratórios experimentais, não entendo que resultados se esperam daqui.
Não são estes os valores europeus. Não é esta a inclusão que tanto se
aclama. Menos entendo esta necessidade de implementar projectos sem
consultar a única parceira científica da região, a Universidade da
Madeira. Qual o sustento científico deste projecto? Os encarregados de
educação foram ouvidos nesta questão? Autorizaram que os filhos sejam
ratos de laboratório? Querem que os seus filhos cresçam numa lógica
social que distingue cidadãos de primeira e cidadãos de segunda
categoria? É isto a educação democrática?
Depois de meia dúzia de meses de governação, a única medida visível
deste Governo em matéria de educação peca de forma grosseira. Não basta
ganhar eleições. É preciso bem mais.
Embrenhados numa ideologia de direita, alguns decisores políticos
caminham por trilhos que nos devem preocupar a todos. A história tende a
repetir-se. Será possível que os filhos de Abril sejam mais
salazaristas que Salazar? De uma coisa não tenho dúvidas: por muito que
discordasse de Jardim tenho a certeza que nunca permitiria destes
experimentalismos pedagógicos que preconizam um sistema de castas.
* Membro da Comissão de Cultura e Educação no Parlamento Europeu
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
11/08/15
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