O programa da coligação:
um Estado Social que
não combate desigualdades
A coligação está a mostrar-nos como o seu discurso é, na verdade, falacioso.
Os discursos de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na apresentação do
programa eleitoral da coligação levar-nos-iam a esperar que PSD e CDS
propusessem, neste documento, uma série de medidas que visassem combater
as desigualdades, de tal modo esta meta foi sublinhada pelos dois
líderes nessa ocasião.
Algumas passagens do programa apresentado
ajudariam a reforçar esta ideia: é-nos dito, logo no início, que a
coligação “Portugal à Frente” (PàF) irá ter “como preocupação primeira o
combate, sem tréguas, às desigualdades sociais” (p. 6). No entanto, as
principais medidas propostas neste mesmo manifesto eleitoral não se
coadunam com a retórica utilizada previamente, pois muitas delas, não só
não irão combater as desigualdades, como irão até contribuir para as
acentuar.
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A coligação propõe, por exemplo, o plafonamento das
contribuições para a Segurança Social, podendo os trabalhadores com
salários (e contribuições) mais elevados passar a descontar o montante
acima de um determinado tecto para seguros privados de protecção social
(p. 35). Isto significa passar do actual sistema de repartição, que
assenta numa filosofia solidária e redistributiva – na medida em que se
pretende que as prestações contributivas, nomeadamente as pensões,
embora mais elevadas para quem mais descontou e vice-versa, contribuam
para diminuir o fosso remuneratório entre beneficiários – para um
sistema com uma componente de capitalização, que apenas garante
prestações sociais públicas mínimas e a manutenção, em situação de
velhice, desemprego, ou outra, das desigualdades que marcaram a vida
laboral.
O PàF também sugere que se introduzam mecanismos de
“liberdade na escolha do projecto educativo” (p. 18). Esta ideia
degeneraria inevitavelmente num sistema diferenciado, com escolas para
os filhos dos mais pobres e outras para as famílias mais ricas – aquelas
que teriam recursos para garantir que os seus filhos teriam acesso a
uma série de condições que lhes permitiriam lutar pelos lugares nas
“melhores escolas”. O mesmo se verificaria com a ideia de “liberdade de
escolha” no sector da saúde (p. 41), uma vez que esta acabaria por se
traduzir numa situação em que o acesso aos serviços fica dependente dos
seguros privados de saúde dos beneficiários, os quais estão relacionados
com as situações económicas individuais. Aumenta-se a liberdade de
escolha para apenas uma pequena parte da população, mas eternizam-se
desigualdades.
Até a proposta emblemática de “aumentar as pensões
mínimas, sociais e rurais” (p. 36) em nada contribui para reduzir as
desigualdades (nem sequer a pobreza). Sobre o CSI ou o RSI, pelo
contrário, nada é dito. No fundo, no programa do PàF, é-nos apresentado
um cardápio de medidas que, em vez de inverter a trajectória de aumento
das desigualdades dos últimos quatro anos, irá aumentar o fosso entre os
mais ricos e os mais pobres.
Aquilo que a coligação nos propõe é
um aprofundamento do modelo de Estado Social liberal que tem vindo a
desenvolver na última legislatura: um modelo de protecção social pública
que visa apenas garantir condições mínimas de subsistência aos
indivíduos – cabendo ao sector privado prestar outros bens e serviços
sociais a quem tiver recursos para os adquirir no mercado. Na verdade, e
também em linha com a sua actuação governativa, PSD e CDS defendem até
elementos típicos de um modelo conservador de Estado Social, uma vez que
consideram que muitas destas funções de protecção social básica devem
ser cada vez mais retiradas da esfera de execução do Estado e delegadas
nas “instituições da economia social” (p. 33) – instituições
particulares que actuam com uma lógica assistencialista e caritativa
dirigida apenas aos grupos mais pobres.
O que o PàF nos sugere é
acentuar o corte com o modelo de Estado Social social-democrata que o
país construiu. Este paradigma de Estado Social entende que há bens e
serviços que, por serem essenciais à vida humana, devem ser prestados a
todos os cidadãos igualmente pelo simples facto de serem cidadãos,
independentemente da sua condição social e económica. É um modelo de
Estado Social que entende as funções sociais que presta (escolas,
hospitais, prestações sociais, etc.) como garantes de direitos sociais
universais e gratuitos (à educação, à saúde, à protecção nas várias
situações de risco, etc.). É, por isso, o único modelo de Estado Social
que assume ter a redução das desigualdades como seu objectivo. E é
impossível querer afastar-se desta visão de direitos sociais, seguindo
um caminho de assistência social que não encara o prestador público como
garante de igualdade no acesso a bens e serviços sociais, e pretender
simultaneamente reduzir o fosso económico-social.
Com as medidas
concretas que nos apresenta no seu programa, a coligação está a
mostrar-nos como o seu discurso é, na verdade, falacioso. O modelo que o
PàF deseja continuar a expandir não irá procurar reduzir desigualdades,
simplesmente porque não é possível atingir este fim através dos meios
que preconiza.
Politóloga, IPP TJ-CS e UBI
IN "PÚBLICO"
06/08/15
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