Facebook: não é grátis,
nem nunca será
O Facebook não só não é grátis como é amigo do alheio: Zuckerberg
enriqueceu a tirar dados de toda a gente sem distinção de cor, género,
credo ou bolsa
1. No Verão de 2015, o Facebook chegou a 1,49 mil milhões de utilizadores, ou seja, metade da população online
do planeta, e para a outra metade há aquele aliciante à entrada da
rede: “Facebook: é grátis, e sempre será”. A este ritmo, talvez antes de
acabar a água no planeta a rede de Mark Zuckerberg chegue a vários mil
milhões. Se isso vai ser bom para o planeta em geral, e a liberdade em
particular, depende de como esses milhões usarem o Facebook, mas
certamente será bom manter presente que não só o Facebook não é grátis
como é amigo do alheio: Zuckerberg não enriqueceu a dar, nem sequer a
tirar dos ricos para dar aos pobres, mas a tirar de toda a gente sem
distinção de cor, género, credo ou bolsa. Aliás, tirar não é de facto a
palavra porque ele não o faz sem permissão, cada um dá o que entende,
mesmo que não o entenda, o que em centenas de milhões de casos é muito.
Portanto, Zuckerberg é aquele multimilionário que enriqueceu de forma
supersónica com as doações de 1,49 mil milhões de pessoas. Uma ideia
megalucrativa que mudou a vida do planeta. Por isso é megalucrativa, e
por isso não é grátis.
2. Facebook should pay all of us (O Facebook devia pagar a todos nós), escreve esta semana no site da New Yorker
Tim Wu, professor de Direito na Universidade de Columbia. Vale a pena
ler e partilhar (estou fora da rede há semanas, imagino que muita gente o
tenha feito no Facebook). Algumas das sínteses de Wu: o Facebook é um
modelo de negócio; o modelo de negócio do Facebook assenta na informação
entregue pelos seus utilizadores; os utilizadores do Facebook não têm
consciência do valor do que entregam (dados pessoais, fotografas,
vídeos, textos, sons), ou de como isso pode ser transformado em
dinheiro, alimentando esse e outros negócios, por exemplo publicidade
dirigida. E o mais provável é que ainda não tenhamos visto nada. “Uma
das razões pelas quais Zuckerberg é tão rico”, escreve Tim Wu, “é que o
mercado de capitais parte do princípio de que, em algum momento, ele vai
engendrar uma nova forma de extrair lucro de toda a informação que
acumulou sobre nós.” Wu acha provável que “a maior inovação do Facebook
não seja a rede social em si mas a criação de uma ferramenta que
convenceu centenas de milhões de pessoas a entregarem tanto em troca de
tão pouco”. O Facebook não é a única rede ou ferramenta que o faz, mas
nenhuma outra convenceu tanta gente a dar tanto. Isto só é possível
porque uma peça decisiva dessa ferramenta é convencer-nos do contrário,
de que temos acesso a tanto por nada. Num universo consumista,
anunciar-se como grátis é uma arma poderosa, o utilizador sente-se
agradecido, Quando, na verdade, se trata de “uma gigantesca
transferência de muitos para poucos” com um risco claro: quanto mais
informação as pessoas entregarem, mais vulneráveis ficarão. Wu fala
sobretudo de uma vulnerabilidade comercial, mas podia falar de política
ou de sexo. Vulnerabilidade a qualquer tipo de intromissão, agressão,
exploração. Quem acha que não paga, ou não tem noção do que paga, ou
acha que recebe muito em troca de pouco, não fará exigências. E nunca o
futuro foi tanto o próximo segundo. Tudo será muito rápido.
3. Resisti a entrar no Facebook até ir morar para o Brasil, em 2010.
Como amostra do que se está a passar num lugar, em texto, imagem ou som,
pode ser muito versátil, quanto mais, e mais variadas, forem as pessoas
que seguimos, e isso aplicou-se tanto a Portugal nos anos brasileiros
como se aplica ao Brasil desde que deixei de morar lá, e a todos os
lugares onde criamos alguma raiz. Ao longo destes cinco anos, tenho
suspendido o meu mural por dias ou meses, conforme preciso para
trabalhar. Há mil maneiras de usar o Facebook, algumas mudaram de forma
decisiva a pesquisa para textos ou livros, o acesso rápido a fontes, a
localização de pessoas nos antípodas, o que é válido nos dois sentidos.
Quem usa o Facebook para localizar gente também é facilmente localizável
por desconhecidos. Ao longo destes anos houve muitos cruzamentos
felizes por tudo isto (os infelizes foram, em geral, comentários que me
devia ter abstido de fazer). Mas como uso o Facebook essencialmente para
trabalho, o meu mural é totalmente aberto, portanto não publico
imagens, sons ou textos de contextos privados, apenas materiais públicos
ou que o venham a ser de alguma forma. Há murais fechados, ou mais
fechados, que usam a rede como comunicação interna, privada, e muitos
outras variantes. Seja como for, para quem trabalha longas horas ao
computador, o Facebook facilmente se torna um queimador de tempo
viciante. E, conjugado com todo o resto do tempo que passamos online,
o mais provável é que esteja a mudar a escrita tal como a entendemos, A
morte do romance foi decretada logo que o romance nasceu, mas talvez a
questão agora seja como chamar à dispersão narrativa que a dispersão online produz.
4.
Acredito na descriminalização de tudo o que só envolve um indivíduo
soberano (o consumo de qualquer droga, por exemplo), portanto acredito
que entre adição e rejeição cada um saberá como quer (ou não) usar as
redes sociais. O Facebook tanto pode ser uma perda de tempo como um
instrumento de combate ou a extracção de mais-valia. Se Zuckerberg é a
8ª pessoa mais rica do planeta, há que manter presente de onde essa
riqueza vem ao fazer log in. Cada um será tanto mais livre
quanto melhor souber o que está a dar, e o limite dessa liberdade é não
dar o que não é de cada um: a privacidade de terceiros que não deram (ou
não podem dar) permissão para isso.
IN "PÚBLICO"
23/08/15
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