03/04/2015

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Consequências e poderes das comissões de inquérito que a opinião pública ignora

As comissões de inquérito já levaram a demissões de altos cargos públicos e ajudaram a fazer prova em processos judiciais e contraordenacionais, mas na opinião pública prevalece a ideia de que são “blá-blá-blá” e guerras entre partidos.

Entre-os-Rios, BPN, BCP e uma das muitas sobre Camarate são casos de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) cujas consequências – políticas, administrativas e outras – foram recordadas em entrevistas à agência Lusa por deputados intervenientes.
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“Foi o desenvolvimento dos trabalhos da primeira Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso Banco Português de Negócios (BPN) que levou à demissão de um Conselheiro de Estado, Dias Loureiro”, recorda o antigo deputado comunista Honório Novo.

Mas o cidadão comum ou não se recorda ou espera mais, como mostram entrevistas de rua realizadas a quase duas dezenas de pessoas, que confundem amiúde os trabalhos em plenário e as CPI, ignoram os poderes que estas têm e que não se confundem com os poderes de julgar e condenar dos tribunais.
“É paleio. Falam muito mas no fim não se veem conclusões. O BES por exemplo, falaram com uma data de funcionários e não se vê, de facto, grandes conclusões. O Ricardo Salgado (antigo presidente do banco) continua aí a passear”, atira Manuel Oliveira, engenheiro agrónomo reformado.

Gaudêncio Vieira, ex-bancário e professor na Universidade Sénior, diz que “os deputados são levados pela linguagem hermética que os banqueiros utilizam para engonhar os processos”. Marília, reformada, também “ vê sempre” na televisão mas acha que “tudo espremido não deita sumo. É só blá-bla-blá e clarificação dos assuntos pouco”.

“Se ajuda? Então não ajuda? É um princípio”, considera Maria, reformada, enquanto Sónia, estudante, entende que “deveria haver conclusões” e como “normalmente não há”, não fica esclarecida.

O eurodeputado eleito pelo CDS-PP Nuno Melo, advogado de formação, precisa que uma CPI “não se confunde com um tribunal”.

“Pode juntar documentos, arrolar pessoas para serem ouvidas, requerer perícias técnicas, mas não pode lavrar uma sentença que condene ou absolva quem quer que seja”.

O objetivo, explica também Honório Novo, é apurar factos, definir responsabilidades de agentes políticos ou administrativos ou de outros, de terceiros. Depois concluir pela responsabilidade e recomendar alterações de procedimentos às instituições e ainda remeter tudo o que é passível de procedimento judicial ou criminal para os tribunais, o Ministério Público, ou entidades de regulação e de supervisão, consoante os factos.

Há 14 anos, em março de 2001, a ponte de Entre-os-Rios ruiu arrastando um autocarro e dois outros veículos. Morreram 59 pessoas.

Teve consequências políticas imediatas, com a demissão do então ministro do Equipamento Social Jorge Coelho e os trabalhos e conclusões da CPI, que se seguiu, serviram “como elemento de prova do tribunal que julgou a situação”, lembra o antigo deputado comunista.

Foi este caso que levou também à criação de um sistema de gestão com inspeções periódicas às pontes e o relator desta comissão, Renato Sampaio, deputado socialista, não tem dúvidas de que “ajudou em muito no apuramento dos factos” e deu um contributo no julgamento do processo e na “sentença de indemnização prestada as vitimas”.

Nuno Melo recorda outro caso, o da 8.ª comissão à tragédia de Camarate, em que morreu, a 04 de dezembro de 1980, o então primeiro-ministro, Sá Carneiro (PSD), e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa(CDS), a que presidiu, em que “um conjunto de peritos chegou a um conjunto de conclusões que indiciaram a prática de crimes e todo o espólio documental, além das conclusões, foi remetido ao Procurador Geral da República, na altura Souto Moura”.

Depois disso, “um ofício dele reconhece, pela primeira vez, do lado do Ministério Público a existência de indícios da prática de crime” por que “até ali a PGR tinha sustentado sempre exclusivamente a possibilidade de um acidente”, salienta o deputado.

Voltando à área financeira, Honório Novo, lembra que a criação de equipas permanentes do Banco de Portugal fixadas em bancos de maior peso é resultado da primeira comissão sobre do BPN.
As sanções para crimes financeiros foram agravadas do ponto vista contraordenacional e também do ponto de vista penal, embora neste “continuem a ser uma espécie de penitência que compensa”, refere.

Honório Novo e Nuno Melo voltam ao caso BPN para salientarem a importância das comissões parlamentares de inquérito e estabelecerem, com algumas críticas, a diferenciação em relação à atuação da justiça.

Aquilo com que o português médio pode estar frustrado, diz o antigo deputado comunista, “é que a comissão, que tem como prazo limite de funcionamento seis meses, tenha produzido o que produziu do ponto de vista do apuramento de factos, e a justiça (…) só agora tenha iniciado, praticamente, os julgamentos das pessoas implicadas num processo desde 2008. Isto sim devia causar perplexidade às pessoas”.

“Houve muito que se conheceu sobre o BPN e do que ali sucedeu que de outra forma não teria sido conhecido nem hoje, porque muitos dos processos ainda estão sob segredo de justiça. Por outro lado tudo o que foi dito serve também à justiça, está registado em ata e tem valor probatório”, afirma Nuno Melo.

* Fica a informação

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