13/03/2015

RUI HORTELÃO

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A voz do Presidente 
da República 
Cavaco Silva

"A voz do Presidente tem de ser uma voz serena e de verdade, que seja escutada pelos agentes políticos", Cavaco Silva, in Roteiros V, de 2011. Sim, quem escreveu esta frase é a mesma personalidade que nesta última semana, por duas vezes consecutivas, se colocou no centro de todas as atenções. Primeiro, por ter reduzido o problema da dívida de Pedro Passos Coelho à Segurança Social a uma questão de polémica político-partidária, com cheiro a campanha eleitoral; e depois, por ter decidido traçar o perfil ideal do seu sucessor, salientando a grande importância que é este ter experiência em política externa.

Se com a primeira intervenção, Cavaco Silva prejudicou o primeiro-ministro e deu novo fôlego aos adversários do PSD; na segunda o Presidente da República entrou, por iniciativa própria, numa discussão que, nesta altura, é de mera natureza político-partidária, e voltou a penalizar, acima de tudo, o PSD e a direita, já que são os potenciais candidatos de esquerda – António Guterres e António Vitorino – que, à excepção de Durão Barroso, melhor se enquadram no ideal de Cavaco Silva.

Não parece, porém, crível que esta seria a forma escolhida se o objectivo fosse declarar apoio ao ex-presidente da Comissão Europeia. E muito menos que a intenção fosse ajudar os socialistas a ganhar terreno para as Presidenciais. Excluídas as intenções construtivas, resta a destrutiva, ou seja, a de dificultar o caminho aos que Cavaco Silva gostaria de ver excluídos à partida.

Dois deles – Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes – reagiram de imediato. Rui Rio não terá ficado menos incomodado, mas optou pelo silêncio e, dessa forma, distinguiu-se dos seus concorrentes e do próprio Presidente da República.

Cavaco Silva é livre de apoiar e reprovar quem bem entende para a corrida a Belém, mas fazê-lo nesta altura e através do prefácio de um Roteiro, uma das mais institucionais ferramentas de comunicação que tem utilizado desde que foi eleito, é uma opção que atropela por completo a imagem que Cavaco tanto se tem esforçado por afirmar. E que legitima, inclusive, uma nova interpretação para a frase que abre este texto, porque afinal o mais importante parece ser que a voz do Presidente "seja escutada pelos agentes políticos".

Infelizmente, esta contradição não foi a única do Presidente da República nesta semana. Também a dualidade de critério na felicitação a Nelson Évora pela medalha de ouro no Campeonato da Europa de Atletismo e a ausência de qualquer palavra para os atletas João Costa e Joana Castelão, também eles campeões europeus, dá força a todos quantos têm criticado Cavaco Silva pelos elogios públicos arbitrários que este tem feito na área do desporto, em particular o olímpico. E, desta vez, nem sequer estava em causa uma condecoração – ou a ausência da mesma –, que também já no fim do ano passado tinha motivado crítica de Emanuel Silva, vice-campeão olímpico e mundial e campeão europeu de canoagem.

Compreende-se que o Presidente da República, talvez por estar a entrar na recta final do mandato, se sinta mais liberto para ser ele próprio, mas colocar-se deliberadamente no centro de polémicas e discussões como estas não só afecta a sua imagem pessoal como também a da própria instituição Presidência da República.

Este comportamento é ainda mais difícil de compreender, quando numa década – entre Janeiro de 2000 e Abril de 2011 –, Cavaco Silva e as equipas que o coadjuvam sabem que foi o primeiro Presidente a ter um saldo negativo de popularidade num barómetro da Marktest, pois nunca antes um Chefe de Estado tinha tido mais opiniões negativas do que positivas neste estudo. E que, desde então, nunca conseguiu libertar-se dessa impopularidade.

Director

IN "SÁBADO"
12/03/15


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