08/12/2014

GABRIELA CANAVILHAS

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Ingenuidades e enganos

A retórica na política é de tal forma ensurdecedora que pode parecer que vale por si só. A voragem do combate político apoiado em “soundbytes” corre o risco de deixar para 2º plano a substância, tal a preocupação em valorizar a forma. Este estilo é particularmente dominado pelos ministros do CDS, que têm em Paulo Portas um mestre inexcedível (que é, a todos os títulos, o verdadeiro profissional em exercício neste governo).

Sobre a ministra da Agricultura Assunção Cristas pouco há a dizer, passada a euforia dos primeiros meses. Ainda me recordo do anúncio, aclamado com setas ao alto em toda a imprensa, relativo à decisão, a 19 de Agosto de 2011, de alienação da Parque Expo. Estamos em Dezembro de 2014 e ainda vai longe uma resolução clara para esta empresa, que terá que implicar uma definição sobre o futuro do Oceanário e sobre o destino do Pavilhão de Portugal, para referir apenas dois dos seus mais emblemáticos ícones, cuja importância, quer como expressão arquitetónica de referência, quer como memória da Expo 98, merecem tratamento condigno.

De Pires de Lima só me ocorre de momento o seu discurso sobre as “taxas e taxinhas” no Parlamento. Julgo que terá que se esforçar duplamente nos meses que lhe faltam para nos fazer esquecer esse momento constrangedor. Quanto a Mota Soares, ministro dos pobres e dos desempregados, alargou de forma extraordinária o seu leque de ação: hoje há mais 750 mil pessoas abaixo da linha de pobreza do que em 2009. Em 2013, quase 11% dos portugueses viviam em privação material severa, i.e., pobreza extrema. Os grupos da população mais atingidos são os idosos, crianças e jovens, que só este ano cresceram 3,8% e já atingem 31,6% da população portuguesa em estado de pobreza.

O fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumenta – a crise em Portugal já gerou mais 85 novos milionários, no mesmo país onde em cada quatro crianças, uma vive abaixo do limiar de pobreza. É este o país que sonhámos ter em 1974? Era este o país que queríamos consolidar quando aderimos à Comunidade Económica Europeia? E quando mergulhámos, entusiastas, no grupo restrito da moeda única da União Europeia?

Mas, se ouvirmos os discursos do governo, somos levados a crer que sim.
A moralização dos costumes, a penalização pelos excessos, a formatação das ambições à dimensão paroquial de quem não tem direito à esperança, são estas as normas que nos têm conduzido nestes anos de chumbo.

Da Democracia-cristã do pós-Guerra, que reconstruiu a Europa e que, com a Social-democracia, inventou o Estado Social, já pouco resta.

Vale-nos, felizmente, o Papa Francisco, que nos lembra que “alguns entendem que o crescimento económico provocado pela liberalização do mercado provoca uma maior equidade e inclusão social, mas esta opinião, nunca confirmada, expressa uma confiança absurda e ingénua na bondade de quem detém o poder económico e financeiro”.

IN "OJE"
05/12/14


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