Pluralismo nos jornais
Recuso cometer a
indelicadeza de não assinalar o agradecimento que devo a João Marcelino
por a 29 de setembro de 2010 me ter nomeado subdiretor do Diário de
Notícias. Foi um prazer trabalhar com alguém que gostava que
discordassem dele. E foi a primeira vez, ao fim de 35 anos, que um
jornalista publicamente identificado como militante do PCP ocupou um
cargo de direção neste jornal, o que vale algo mais do que a mera
curiosidade histórica: a decisão do João, um não comunista, em nomear-me
concretiza o seu pensamento sobre o valor inestimável para a
comunicação social de aliar a competência técnica e profissional ao
pluralismo ideológico, cultural e estético. João Marcelino é um
democrata. Para mim, ele foi, também, um bom diretor do Diário de
Notícias.
Já agora aproveito para felicitar André Macedo, que,
pelo que conheço, parece ter todas as qualidades profissionais para se
sair bem como diretor deste jornal. É uma escolha feliz.
O
imperativo ético que acabo de satisfazer fez-me lembrar uma frase de
José Manuel Fernandes, antigo diretor do Público (jornal rival do DN),
líder do site Observador e igualmente insuspeito de simpatias
comunistas. No ensaio "Liberdade e Informação" ele escreve: "O
pluralismo não pode ser medido apenas pela aparição dos líderes
políticos no noticiário, pois tão ou mais importante é a adopção, de
forma assumida ou inconsciente, das suas agendas pelas redacções. Basta
pensar na forma calorosa com que muitas causas do Bloco de Esquerda têm
sido acolhidas nos noticiários e nas colunas dos jornais, por contraste
com a indiferença ou mesmo hostilidade aos temas habituais do discurso
do PCP."
A falta de pluralismo é, para mim, mais grave nos
noticiários internacional, económico e cultural, onde as correntes
dominantes esmagam qualquer visão alternativa sem que a isso, sequer,
corresponda um movimento sério de protesto de consumidores ou de grupos
de pressão minoritários, ao contrário do que acontece na política.
E
porque estou a matutar nisto? Por causa das mudanças no DN? Não. Essas
até me dão esperança. O que não me sai da cabeça, depois de um fim de
semana de trabalho colado a um mês de férias, é ao domingo os
noticiários principais quase só analisarem e discutirem o que Marques
Mendes disse no sábado à noite na SIC e, às segundas-feiras, a operação
repetir-se em variações aos motes dados, na véspera, por Marcelo Rebelo
de Sousa, na TVI.
Eu gosto de os ouvir, mas, francamente, o mundo
oferecido por eles é demasiado pequenino e manipulado para ter tanta
importância. Estamos a precisar, portanto, de visões mais amplas da
realidade. Estamos, em suma, a necessitar de pluralismo, começando por
interiorizar o conceito nas nossas cabeças e nas nossas escolhas
pessoais. Mais uma vez, obrigado João Marcelino.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
26/08/14
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