21/08/2014

JOSÉ MANUEL FERNANDES

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Dois gráficos que
 explicam muita coisa

Portugal tem problemas de crescimento anteriores à austeridade e que não se resolvem apenas com "vontade política". Se não começarmos por perceber essa realidade, não encontraremos nunca boas soluções

 Portugal tem problemas de emprego? De sustentabilidade do seu sistema de pensões? De emigração de jovens qualificados? De défice público? De dívida gigantesca? 

Há uma solução para todos estes problemas: enriquecer. Ou, por outras palavras, ter mais crescimento económico.

Esta é uma verdade tão auto-evidente que só neoliberais da pior estirpe não a aceitam. Só seres empedernidos podem defender a austeridade quando, com crescimento, ninguém teria de sofrer.

Posto assim, até eu estou de acordo: como mais crescimento económico todos, ou quase todos, os nossos problemas se resolveriam. Mais riqueza, mais dinheiro para distribuir, até – vejam lá – mais dinheiro para pagar as nossas dívidas.

Ouvindo os nossos políticos até parece que há uns, os que estão no Governo, que por “fanatismo ideológico” não querem crescimento; e outros, os que estão na oposição, que facilmente nos resolveriam todos os problemas, sem dor, sem “cortes” (muito menos “cortes cegos”) apenas porque, com eles, haveria crescimento da economia.

Era bom que fosse tudo assim tão simples. Mas não é. Recentemente encontrei no sempre interessante blogue “Desvio Colossal”, animado por Pedro Romano, dois gráficos que nos ajudam a perceber como isso do crescimento é uma coisa bem mais complicada. Aqui está o primeiro:


A originalidade deste gráfico é que utiliza uma escala diferente da habitual para ilustrar a evolução do nosso PIB per capita, isto é, da nossa riqueza por habitante. Trata-se de uma escala expressa em logaritmo que permite tornar linear uma função exponencial e perceber melhor as tendências da evolução dos números. Desta forma conseguimos ter uma noção mais clara do que nos sucedeu nos últimos 60 anos, desde 1950.

O que o gráfico torna muito evidente é que vivemos um período muito bom, em termos de crescimento, entre meados da década de 1960 e a revolução e que, a partir de viragem do milénio, o país estagnou. Nada que não soubéssemos, mas algo que esta representação gráfica torna bem mais evidente.

Nestes últimos 15 anos Portugal experimentou várias maiorias diferentes, conheceu cinco primeiros-ministros distintos, teve governos maioritários e governos minoritários. Nunca, porém, a nossa linha de crescimento do PIB per capita deu reais sinais de querer voltar ao anterior normal, isto é, ao crescimento.

O que é que nos aconteceu? As explicações são muitas, e há-as para todos os gostos, desde as que culpam mais o desenho do euro às que olham mais para os males internos que fizeram com que o país regredisse depois dessa mesma adesão ao euro. Não vou agora discuti-las, apesar de achar que ter essa discussão foi, é e continuará a ser indispensável, já que é essencial para perceber os nossos problemas, se preferirmos, os nossos limites.

Um outro gráfico do mesmo blogue faz um pouco mais de luz sobre as nossas tendências de fundo:


Aqui utiliza-se a percentagem de variação do PIB per capita utilizando a média móvel dos últimos dez anos. Desta forma eliminam-se as flutuações bruscas e tem-se também uma ideia mais clara das grandes tendências. Voltamos a encontrar apenas um período que se destaca da média – o tal final da década de 1960, início da da 1970 – e vemos como nos últimos anos caímos para valores negativos.

Nos últimos 140 anos isso só aconteceu por duas vezes: por volta de 1880, no final do fontismo, quando o desequilíbrio nas contas externas e o peso da dívida pública puseram um ponto final na política económica e desenvolvimentista da Regeneração; e na crise final da Monarquia, prolongando-se para os primeiros anos da República.

Os indicadores apontam para estarmos a atravessar um período igualmente crítico, provocado por factores que, sendo diferentes, têm pontos em comum, sendo claro que os nossos problemas são tudo menos passageiros.

Serve tudo isto apenas para reforçar um ponto: não há milagres e ninguém deve acreditar em milagreiros. O crescimento, a riqueza, não estão apenas à distância de umas eleições. Nem serão nunca obra de um “líder inspirador”, como às vezes se julga.

Quem diz ou sugere o contrário vende ilusões. Perigosas ilusões.

IN "OBSERVADOR"
18/08/14

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