Maldito mês de Agosto
A ‘silly season’ já não é o que era. O
Verão morno de outros tempos, sem escândalos financeiros, duelos
partidários, preocupações económicas ou poderosos arruinados, deu lugar a
um Verão demasiado agitado para ser apenas ‘silly’.
Agosto passou de mês querido a mês maldito - e não é apenas pela novela BES/GES que, entre um banqueiro detido e um império arruinado, está a bater todos os recordes de audiência.
É
provável que um dia a história recorde este Verão como um dos mais
quentes de sempre - pelos escândalos, pela vergonha, pelas fúrias, pelas
surpresas, pelas decisões. Afinal de contas, este é o Verão que
registará para sempre a queda de um dos maiores grupos financeiros do
país, derrubado por uma gestão ruinosa e por uma maré de suspeitas
criminosas, e a queda de um banqueiro que durante muito tempo deixaram
que se comportasse como o ‘dono disto tudo'. É o Verão em que a maior
operadora do país, atingida pelos estilhaços do caso BES, descobre um
buraco de 900 milhões de euros, deixa cair um dos seus administradores
históricos por causa desse investimento, compromete toda uma fusão e
acaba atormentada por uma auditoria que aponta culpas a quem descartou
responsabilidades desde o início.
Este é o Verão do duelo
fratricida no PS, em que a ambição por uma cadeira de poder leva à
multiplicação de promessas felizes sem que se perceba como se podem
concretizar. É o tempo em que as contas públicas não se conseguem
arrumar, porque surgiram riscos inesperados que obrigam a refazer contas
e juízes do Tribunal Constitucional que deixam opções orçamentais
reféns das suas decisões. Esta é a temporada em que o país está a
aprender a viver sem a companhia da ‘troika', mas ainda a recuperar da
ressaca da austeridade e do endividamento, ainda a braços com desemprego
alto, salários baixos, riscos de deflação, economia a crescer em lume
brando e expectativas baixas.
Seria bom que, por tudo isto, a
história recordasse este Verão como o tempo em que o país mudou. O
momento em que todos os colapsos financeiros, maus gestores, escolhas
inquinadas e crimes encobertos durante demasiado tempo foram expostos e
expurgados. O que de mau o país tem vivido e que esta ‘silly season' tem
ajudado a descobrir, para revolta de muitos e vergonha de quase todos,
devia servir de ponto de viragem para algo melhor, um país menos
‘silly'. E com uma gestão pública e privada mais transparente, um Estado
mais sustentável e justo, uma justiça mais atenta e interventiva,
políticos mais responsáveis e uma população menos acomodada. Parece um
desejo idealista, talvez irrealista. Mas não é preciso pedir que algo
mude, para que tudo fique melhor - isso já deveria estar a acontecer.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/08/14
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