18/08/2014

HELENA CRISTINA COELHO

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Maldito mês de Agosto

A ‘silly season’ já não é o que era. O Verão morno de outros tempos, sem escândalos financeiros, duelos partidários, preocupações económicas ou poderosos arruinados, deu lugar a um Verão demasiado agitado para ser apenas ‘silly’. 

Agosto passou de mês querido a mês maldito - e não é apenas pela novela BES/GES que, entre um banqueiro detido e um império arruinado, está a bater todos os recordes de audiência.

É provável que um dia a história recorde este Verão como um dos mais quentes de sempre - pelos escândalos, pela vergonha, pelas fúrias, pelas surpresas, pelas decisões. Afinal de contas, este é o Verão que registará para sempre a queda de um dos maiores grupos financeiros do país, derrubado por uma gestão ruinosa e por uma maré de suspeitas criminosas, e a queda de um banqueiro que durante muito tempo deixaram que se comportasse como o ‘dono disto tudo'. É o Verão em que a maior operadora do país, atingida pelos estilhaços do caso BES, descobre um buraco de 900 milhões de euros, deixa cair um dos seus administradores históricos por causa desse investimento, compromete toda uma fusão e acaba atormentada por uma auditoria que aponta culpas a quem descartou responsabilidades desde o início.

Este é o Verão do duelo fratricida no PS, em que a ambição por uma cadeira de poder leva à multiplicação de promessas felizes sem que se perceba como se podem concretizar. É o tempo em que as contas públicas não se conseguem arrumar, porque surgiram riscos inesperados que obrigam a refazer contas e juízes do Tribunal Constitucional que deixam opções orçamentais reféns das suas decisões. Esta é a temporada em que o país está a aprender a viver sem a companhia da ‘troika', mas ainda a recuperar da ressaca da austeridade e do endividamento, ainda a braços com desemprego alto, salários baixos, riscos de deflação, economia a crescer em lume brando e expectativas baixas.

Seria bom que, por tudo isto, a história recordasse este Verão como o tempo em que o país mudou. O momento em que todos os colapsos financeiros, maus gestores, escolhas inquinadas e crimes encobertos durante demasiado tempo foram expostos e expurgados. O que de mau o país tem vivido e que esta ‘silly season' tem ajudado a descobrir, para revolta de muitos e vergonha de quase todos, devia servir de ponto de viragem para algo melhor, um país menos ‘silly'. E com uma gestão pública e privada mais transparente, um Estado mais sustentável e justo, uma justiça mais atenta e interventiva, políticos mais responsáveis e uma população menos acomodada. Parece um desejo idealista, talvez irrealista. Mas não é preciso pedir que algo mude, para que tudo fique melhor - isso já deveria estar a acontecer.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/08/14


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