Ondas de choque
de um caso salgado
A política acabou. Penso isto enquanto pouso o iPad,
para passar mais protetor solar. Acham estranho? Eu não. Estou na
praia e o sol não me impede de pensar. Pelo contrário, a descontração
fora da rotina espicaça-me. E raramente tenho tanto tempo como aqui
para ler notícias. Reparem que este é, também, um fim de semana que dá
muito que pensar. Rebentou há pouco o escândalo BES/GES, Ricardo
Salgado foi detido, revistado, saiu com uma caução de três milhões de
euros. Isso mesmo, Ricardo Salgado, aka o dono disto tudo, foi preso.
Isto dá muito que pensar – para além das notícias,
dos milhões, dos escândalos financeiros. Para já, pela ambivalência
ideológica que cria. O escândalo acontece no culminar de uma crise em
que se espalhou a ideia dominante de que o povo andava todo a viver
acima das suas possibilidades, o que parece ter sido interiorizado, até
na forma como baixaram os níveis de consumo. O escândalo do GES acerta
em cheio numa família a quem essa ideia se aplica na perfeição, sim, mas
a verdade é que esta era a família que anteriormente nos dava lições de
moral sobre o rendimento mínimo e os mandriões que o recebiam. Ricardo
Salgado já é o quarto banqueiro a contas com a justiça – e estas contas
têm que ver com o coração do negócio, e não um crime passional numa
febre de paixão que os tivesse arrebatado a todos. Banqueiro, e não
bancário, como aconteceu noutros países, nomeadamente na Inglaterra ou
nos EUA. Ricardo Salgado não é o equivalente português de Bernard
Madoff. Tem a escala de um Rockefeller ou um Rothschild.
Num país qualquer mais civilizado do que o nosso – e
só eu sei como odeio usar frases destas, da sabedoria taxista – por
esta altura tínhamos os spinners políticos a pensar como
haviam de dar a volta à história para que a história não irrompesse, por
exemplo, num domingo de praia normal, e acabasse com a carreira dos
líderes que os contrataram. Teríamos governantes a panos de vinagre a
pensar como haviam de sair deste imbróglio ideológico e social. E
teríamos uma oposição, sindicatos, esquerda radical – ou até menos –
todos a capitalizar, a bater na mesma tecla até ela ficar sem cor, a
gritar aos quatro ventos, a manipular opiniões…
Mas, como eu dizia, a política acabou. Acredito, é possível, que os
banhistas que me rodeiam não estejam tão bem informados como eu. Mas só
o que eles já sabem – e é impossível que a informação não lhes tenha
entrado pelos olhos dentro – devia ser suficiente para pensamentos mais
revolucionários – ou, pelo menos, indignados – do que a melhor forma de
esparramar-se ao sol, ou gritos mais fortes que o psst com que chamam o senhor das bolas-de-berlim.
O que está em causa na queda e detenção de Ricardo
Salgado não é um mero escândalo financeiro. Estamos perante um facto
sociológico – e por isso o trago aqui. A questão que se coloca é: que
podemos esperar para Portugal deste tipo de elites? Elas que devem ser o
motor do progresso parece que, aqui, são o seu travão. Elas que nos
deviam levar – empurrando ou puxando-nos – estão apenas preocupadas em
como pagar menos impostos. Ora, isso faz qualquer canalizador. Coisas
destas dão revoluções – como temos visto ao longo da história.
Mas não. Nós, não… Temos apenas conversas sobre o
frio inusitado que faz este verão, o governo assobia para o lado, tenta
capitalizar no próprio rebentar do escândalo – «viram, viram?, nós não
os ajudámos, nós deixámos cair os poderosos» – a oposição entretida com
lutas internas e concertos de ferrinhos, a justiça a tentar mostrar o
que vale, como faz sempre, fazendo cenas com os poderosos que ela bem
sabe já não o serem… E enfim, no meio disto tudo, temos a constatação
simples de que a política acabou.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
03/08/14
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