10/08/2014

CATARINA CARVALHO

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 Ondas de choque 
de um caso salgado

A política acabou. Penso isto enquanto pouso o iPad, pa­ra passar mais protetor solar. Acham estranho? Eu não. Estou na praia e o sol não me impede de pensar. Pelo contrário, a descon­tração fora da rotina espicaça-me. E raramente tenho tanto tem­po como aqui para ler notícias. Reparem que este é, também, um fim de semana que dá muito que pensar. Rebentou há pouco o es­cândalo BES/GES, Ricardo Salgado foi detido, revistado, saiu com uma caução de três milhões de euros. Isso mesmo, Ricardo Salga­do, aka o dono disto tudo, foi preso.

Isto dá muito que pensar – para além das notícias, dos mi­lhões, dos escândalos financeiros. Para já, pela ambivalência ideo­lógica que cria. O escândalo acontece no culminar de uma crise em que se espalhou a ideia dominante de que o povo andava todo a vi­ver acima das suas possibilidades, o que parece ter sido interiorizado, até na forma como baixaram os níveis de consumo. O escân­dalo do GES acerta em cheio numa família a quem essa ideia se aplica na perfeição, sim, mas a verdade é que esta era a família que anteriormente nos dava lições de moral sobre o rendimento míni­mo e os mandriões que o recebiam. Ricardo Salgado já é o quarto banqueiro a contas com a justiça – e estas contas têm que ver com o coração do negócio, e não um crime passional numa febre de pai­xão que os tivesse arrebatado a todos. Banqueiro, e não bancário, como aconteceu noutros países, nomeadamente na Inglaterra ou nos EUA. Ricardo Salgado não é o equivalente português de Ber­nard Madoff. Tem a escala de um Rockefeller ou um Rothschild.

Num país qualquer mais civilizado do que o nosso – e só eu sei como odeio usar frases destas, da sabedoria taxista – por esta al­tura tínhamos os spinners políticos a pensar como haviam de dar a volta à história para que a história não irrompesse, por exemplo, num domingo de praia normal, e acabasse com a carreira dos líde­res que os contrataram. Teríamos governantes a panos de vinagre a pensar como haviam de sair deste imbróglio ideológico e social. E teríamos uma oposição, sindicatos, esquerda radical – ou até me­nos – todos a capitalizar, a bater na mesma tecla até ela ficar sem cor, a gritar aos quatro ventos, a manipular opiniões…
Mas, como eu dizia, a política acabou. Acredito, é possí­vel, que os banhistas que me rodeiam não estejam tão bem infor­mados como eu. Mas só o que eles já sabem – e é impossível que a informação não lhes tenha entrado pelos olhos dentro – devia ser suficiente para pensamentos mais revolucionários – ou, pelo me­nos, indignados – do que a melhor forma de esparramar-se ao sol, ou gritos mais fortes que o psst com que chamam o senhor das bolas-de-berlim.

O que está em causa na queda e detenção de Ricardo Sal­gado não é um mero escândalo financeiro. Estamos perante um facto sociológico – e por isso o trago aqui. A questão que se coloca é: que podemos esperar para Portugal deste tipo de elites? Elas que devem ser o motor do progresso parece que, aqui, são o seu travão. Elas que nos deviam levar – empurrando ou puxando-nos – estão apenas preocupadas em como pagar menos impostos. Ora, isso faz qualquer canalizador. Coisas destas dão revoluções – co­mo temos visto ao longo da história.

Mas não. Nós, não… Temos apenas conversas sobre o frio inusitado que faz este verão, o governo assobia para o lado, ten­ta capitalizar no próprio rebentar do escândalo – «viram, vi­ram?, nós não os ajudámos, nós deixámos cair os poderosos» – a oposição entretida com lutas internas e concertos de ferrinhos, a justiça a tentar mostrar o que vale, como faz sempre, fazendo cenas com os poderosos que ela bem sabe já não o serem… E en­fim, no meio disto tudo, temos a constatação simples de que a po­lítica acabou.

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
03/08/14


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