Consenso ou
falta de bom senso
Daqui a uns tempos, já livres da ‘troika' e sem um memorando na agenda, os portugueses vão olhar para trás e perguntar: o país está realmente melhor? Ainda não chegámos lá, é certo, mas já há quem avance a resposta.
Passos Coelho garante que, sim, Portugal está
melhor que em 2011. Os indicadores económicos dão sinais de que, sim, há
melhorias. E depois vem Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD,
dizer que, sim, o país está muito melhor - só há um pequeno problema: a
vida dos portugueses é que não está melhor. Mas vai melhorar? É como
alguém dizia em tempos: sim, só não sabemos quando. Vai ser preciso
esperar - ou, melhor, sofrer - para ver.
A ideia não é apenas um paradoxo, é perturbadora. Choca a ideia
de que quem mais está a contribuir para um melhor estado das coisas
ainda não tenha conseguido sair do estado de sítio dos últimos três
anos. Incomoda a ideia de que num "país melhor" ainda falte trabalho e
pão em muitas casas, que se continue a exigir mais uma década de
ajustamento salarial depois de tantos cortes, que o número de
desempregados de longa duração e entre os mais jovens continue tão
elevado, que a dívida esteja a ser paga sobretudo à custa de uma carga
esmagadora de impostos. E, acima de tudo, revolta que esta ideia salte
da cabeça de um responsável político, como se um país pudesse estar
melhor quando quem nele vive não está - não porque não queira, mas
porque (ainda) não consegue. Ou não o deixam.
Vamos acreditar que, sim, a economia até está um pouco melhor.
Vamos acreditar que, sim, as exportações são os porta-aviões desta
guerra contra a crise, contra a falta de competitividade, que as
empresas estão a de novo a gerar emprego, que os consumidores estão a
recuperar o poder de compra. E, quando o país olhar para trás daqui a
uns tempos, mesmo depois de vender as suas melhores empresas, de ver uma
geração jovem e qualificada partir para outros países, de saber que vai
continuar a pagar juros de dívidas, vamos acreditar que, sim, tudo foi
pelo melhor.
É supostamente por este país melhor que os líderes partidários se
batem por um consenso. Só que, tal como o Portugal de Montenegro -
aquele país que consegue estar bem mesmo que os portugueses estejam mal,
vá-se lá entender como - todos parecem tratar o consenso como se fosse
um campo de batalha (onde só um pode vencer) e não de concertação (onde
todos podem ganhar). Pura falta de bom senso. Se há coisa que a
democracia devia ensinar a quem nos governa, é que o consenso deve
conciliar caminhos diferentes para uma saída única, diferentes opções
para uma solução comum. Passos Coelho e António José Seguro, os homens
sem consenso, deviam saber disso. Não precisam de ser unânimes, apenas
precisam de ser sensatos. E talvez o país, sim, fosse um pouco melhor
para os portugueses.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
27/02/14
.
Sem comentários:
Enviar um comentário