11/02/2014

CARLA HILÁRIO QUEVEDO

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Parvalhões e Mirós

Resumindo, não é o Estado que vende, dizem, mas é curiosamente o Estado que beneficia com a venda, dizem também

O assunto da semana, sobre o qual já ninguém aguenta ouvir falar, é um caso com perguntas à espera de respostas. Falo das 85 obras do pintor catalão Joan Miró propriedade do antigo BPN, banco nacionalizado em 2008. Ou dos "Mirós", como rapidamente foram absorvidos na nossa língua. 

"Os Mirós" são familiares como a mobília de casa da avó, embora muito poucas pessoas os tenham visto. São uma herança inconveniente, tratados como mamarrachos a despachar por quem der mais. "Os Mirós" parecem as salvas e os serviços de prata de que ninguém gostava a não ser uma pessoa da família. Neste caso, como costuma acontecer nas famílias, o primo afastado, que será o antigo secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, não teve voto na matéria. Segundo o que sabemos, houve uma proposta para fazer uma exposição que não foi autorizada pelo Ministério das Finanças. E porquê? Porque, somos também informados, aquelas obras não são "nossas", apesar de o banco ter sido nacionalizado. O Estado ter injectado 4 ou 5 mil milhões de euros no BPN parece não ser relevante neste caso. As obras seriam vendidas para abater a dívida, como acontece por vezes na venda das pratas. 

O problema bicudo surge na ausência de respostas às seguintes interrogações: se "os Mirós" não são nossos, quem está a fazer o negócio com a Christie's? Respondem, à espera da próxima pergunta, que é a Parvalorem, uma sociedade criada para recuperar créditos do BPN. A Parvalorem é, portanto, a proprietária das obras. Acontece que o seu único accionista é o Estado. Aliás, dizem-nos repetidamente que o dinheiro obtido com a venda das obras servirá para preencher essa espécie de poço sem fundo que foi o BPN. Resumindo, não é o Estado que vende, dizem, mas é curiosamente o Estado que beneficia da venda, dizem também. Ainda ninguém soube explicar o processo com clareza. Também ninguém na época de criação da dita Parvalorem teve a clarividência de chamar à empresa Par Valorem. 

Penso que muitos dos problemas a que estamos agora a assistir advêm de os quadros nunca terem sido expostos. É difícil falar da utilidade da arte, sobretudo num país que não tem onde cair morto em tantos aspectos, mas penso que é fácil perceber que as obras de arte são feitas para ser vistas. O que foi negado à partida foi precisamente esta possibilidade de ser dada a ver uma parte, sem dúvida mínima, da obra de Miró. Não me impressiona que se venda, se o processo for claro e o negócio vantajoso. Mas é mau negar ao público a possibilidade de ver obras de arte por que, mais esquema, menos esquema, pagou. 

Por fim, mais um mistério: como foram as obras parar a Londres para o leilão da Christie's? E antes disso, como foram afinal parar aos grunhos fraudulentos do BPN? Antes de tentar uma resposta para a primeira pergunta, gostaria de chamar a atenção para a decisão exótica do tribunal, que identificou ilegalidades na saída dos "Mirós" do país e ainda assim autorizou a venda das obras em leilão. A pergunta deve ser dirigida à Parvalorem, responsável por este processo. Mas aposto que foi o Luís de Matos, com o poder da mente, que os transportou. 

IN "i"
08/02/14


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