Parvalhões e Mirós
Resumindo, não é o Estado que vende, dizem, mas é curiosamente o Estado que beneficia com a venda, dizem também
O assunto da semana, sobre o qual já ninguém aguenta ouvir falar, é
um caso com perguntas à espera de respostas. Falo das 85 obras do pintor
catalão Joan Miró propriedade do antigo BPN, banco nacionalizado em
2008. Ou dos "Mirós", como rapidamente foram absorvidos na nossa língua.
"Os Mirós" são familiares como a mobília de casa da avó, embora muito
poucas pessoas os tenham visto. São uma herança inconveniente, tratados
como mamarrachos a despachar por quem der mais. "Os Mirós" parecem as
salvas e os serviços de prata de que ninguém gostava a não ser uma
pessoa da família. Neste caso, como costuma acontecer nas famílias, o
primo afastado, que será o antigo secretário de Estado da Cultura
Francisco José Viegas, não teve voto na matéria. Segundo o que sabemos,
houve uma proposta para fazer uma exposição que não foi autorizada pelo
Ministério das Finanças. E porquê? Porque, somos também informados,
aquelas obras não são "nossas", apesar de o banco ter sido
nacionalizado. O Estado ter injectado 4 ou 5 mil milhões de euros no BPN
parece não ser relevante neste caso. As obras seriam vendidas para
abater a dívida, como acontece por vezes na venda das pratas.
O problema bicudo surge na ausência de respostas às seguintes
interrogações: se "os Mirós" não são nossos, quem está a fazer o negócio
com a Christie's? Respondem, à espera da próxima pergunta, que é a
Parvalorem, uma sociedade criada para recuperar créditos do BPN. A
Parvalorem é, portanto, a proprietária das obras. Acontece que o seu
único accionista é o Estado. Aliás, dizem-nos repetidamente que o
dinheiro obtido com a venda das obras servirá para preencher essa
espécie de poço sem fundo que foi o BPN. Resumindo, não é o Estado que
vende, dizem, mas é curiosamente o Estado que beneficia da venda, dizem
também. Ainda ninguém soube explicar o processo com clareza. Também
ninguém na época de criação da dita Parvalorem teve a clarividência de
chamar à empresa Par Valorem.
Penso que muitos dos problemas a que estamos agora a assistir advêm
de os quadros nunca terem sido expostos. É difícil falar da utilidade da
arte, sobretudo num país que não tem onde cair morto em tantos
aspectos, mas penso que é fácil perceber que as obras de arte são feitas
para ser vistas. O que foi negado à partida foi precisamente esta
possibilidade de ser dada a ver uma parte, sem dúvida mínima, da obra de
Miró. Não me impressiona que se venda, se o processo for claro e o
negócio vantajoso. Mas é mau negar ao público a possibilidade de ver
obras de arte por que, mais esquema, menos esquema, pagou.
Por fim, mais um mistério: como foram as obras parar a Londres para o
leilão da Christie's? E antes disso, como foram afinal parar aos
grunhos fraudulentos do BPN? Antes de tentar uma resposta para a
primeira pergunta, gostaria de chamar a atenção para a decisão exótica
do tribunal, que identificou ilegalidades na saída dos "Mirós" do país e
ainda assim autorizou a venda das obras em leilão. A pergunta deve ser
dirigida à Parvalorem, responsável por este processo. Mas aposto que foi
o Luís de Matos, com o poder da mente, que os transportou.
IN "i"
08/02/14
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