Espiões da NSA
no World of Warcraft.
Não, a sério
Gostava muito que houvesse em português uma expressão equivalente a "whistleblower", que retratasse melhor que "denunciante" aquilo que Edward Snowden et al. têm estado a fazer. Não são meras denúncias, são granadas de mão que rebentam no alvo específico no momento certo, mesmo que tenham danos colaterais.
Ora, serve a analogia guerreira na perfeição para analisar a mais recente denúncia de Snowden, publicada ontem pelo The Guardian, New York Times e ProPublica.
As agências de inteligência norte-americana (NSA) e britânica (GCHQ)
infiltraram espiões em comunidades de jogo online e no mundo virtual
Second Life, recolhendo informações desde 2008.
Os documentos
revelados por Snowden mostram que o alvo das agências foi a rede de
jogos Xbox Live, com foco no jogo World of Warcraft. A consola da
Microsoft é extremamente popular nos Estados Unidos (bem mais que em
Portugal) e tem perto de 50 milhões de jogadores. Para as duas agências,
este era terreno fértil e inexplorado e coisas gravíssimas poderiam
estar a passar-se debaixo dos seus narizes.
Vai daí, agentes
destacados para se infiltrarem nestas comunidades, com ordens para
recolher todos os dados possíveis – incluindo conversas áudio entre
jogadores, fotos de perfil e localização geográfica.
Não é claro
que ferramentas foram usadas para levar a cabo a espionagem nem que
dados foram efectivamente recolhidos – a Microsoft não sabe de nada,
menos sabe a Blizzard Entertainment, que produz o World of Warcraft, ou a
Linden Lab, que desenvolve o Second Life. Desconhece-se de que forma as
agências se asseguraram de que não estavam a montar bases de dados com
informações privadas de cidadãos comuns, completamente inocentes e
alheios a suspeitas de trocas de ideias entre membros da Al- Qaeda.
A
história talvez tivesse uma perspectiva diferente, para quem vê de
fora, se realmente tivessem sido descobertas conspirações terroristas,
grupos de insurrectos ou criminalidade básica. Mas na documentação não
há nada disso. Nem sequer existem provas de que houvesse algo que
suscitasse a suspeita logo para começar.
Coincidência ou não,
estes documentos são apresentados no mesmo dia em que um conjunto de
tecnológicas rivais apresentou uma iniciativa que pede a Obama que ponha
mão na vigilância electrónica. A sério: a Google e a Microsoft
juntaram-se e lançaram uma campanha para que o Congresso estabeleça
limites à vigilância executada por agências governamentais. Apple,
Yahoo, Facebook, Twitter, AOL e Linkedin aliaram-se a esta campanha, com
uma carta aberta a Barack Obama. "Reform Government Surveillance" é o
nome da iniciativa.
O fundamental? Se as pessoas não confiarem na
tecnologia que usam, deixam de a usar. Não é preciso terem alguma coisa
a esconder (provavelmente todos temos, mesmo sobrestimando o seu valor
para terceiros); é uma questão de liberdades fundamentais. Quando as
revelações de Snowden começaram, houve muito cepticismo – em especial em
Silicon Valley – sobre a real extensão da espionagem. Mas agora é
inegável que se ultrapassaram todos os limites. Que grande borrada. Algo
terá de mudar, e rapidamente. Porque se há coisa que Snowden e Julian
Assange provaram é que nem a teia mais bem escondida do mundo consegue
ficar invisível para sempre.
IN "DINHEIRO VIVO"
10/12/13
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