A austeridade
que rende votos
Há uma constatação nova que se pode retirar do que
se passou neste domingo: fazer e prometer fazer uma gestão prudente das
finanças públicas passou a fazer parte no discurso de quem faz política
à escala local. Nalguns casos terá valido votos preciosos.
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Muito europeísta e muita gente que
pensa que Portugal ficará melhor fora do euro e até da União Europeia
vem há muito tempo admitindo, com emoções naturalmente diversas, que
mais cedo ou mais tarde os povos do Sul poderão rebelar-se contra a
austeridade excessiva e acabar por morder a mão de quem os tenta
levantar do chão, não obstante as condições extraordinariamente
favoráveis actualmente previstas para os empréstimos europeus: taxa
média de juro de 2,7% e prazo médio de vencimento de 20 anos (nunca
tivemos credores menos merecedores de serem insultados de agiotas).
Os resultados das eleições que tiveram lugar nestas últimas duas
semanas por esta Europa fora sugerem, porém, que os cenários de ruptura
mais prováveis poderão ser precisamente os inversos.
Na Alemanha, é bem verdade que ficou ampliada a bancada parlamentar
das forças políticas que construíram a Europa – CDU e SPD. Mas o AfD, o
primeiro partido estruturado em torno do desmantelamento do euro, ganhou
em escassos cinco meses de existência 4,6% dos votos, ficando a uma
unha negra dos 5% que lhe permitiriam entrar no Parlamento. Formado por
economistas, juristas e dissidentes da CDU de Angela Merkel, o partido
liderado por Bernd Lucke considera que a introdução do euro foi um “erro
fatal que ameaça o bem-estar de todos”, defendendo a saída da Alemanha
do euro ou a reintrodução das moedas nacionais nos países menos
competitivos, como a Grécia e Portugal, a troco do perdão da sua dívida.
Na Áustria, os partidos do “centrão” europeísta – SPÖ e o ÖVP –
também conseguiram votos suficientes para renovar uma “grande
coligação”, mas sustentada por uma magra maioria parlamentar. Obtiveram a
menor votação conjunta desde a II Guerra Mundial, permitindo o
crescimento do FPÖ, partido anti-imigração e anti-União Europeia, e a
entrada no Parlamento de um também novel partido anti-euro, patrocinado
por Frank Stronach, bilionário austro-canadiano, que recolheu 5,8% dos
votos – ainda assim, bem menos do que os 16% que as primeiras sondagens
aventavam.
Estes resultados tornam mais provável uma reflexão e debate
consequentes sobre o fim do euro nos seus actuais moldes provocados pelo
centro – não pela periferia, onde uma coligação de interesses depende
muitíssimo de se definir, à priori, um “inimigo comum e, sobretudo, da
percepção da dimensão do "exército" disposto a combate-lo. O projecto
morrerá inconsequente se se perceber que há menos gente do que se supõe
disposta a morder na mão de gente que vive mais a Norte. E haverá menos
gente se, entretanto, cada vez mais se derem conta de que a mão mais
culpada estará, afinal, um pouco abaixo do cotovelo de cada um de nós. E
é aqui que entram as autárquicas.
Sem pretender extrapolar conclusões para o plano nacional ou para o
que poderão ser os resultados as eleições europeias da próxima
Primavera, há uma constatação nova que se pode retirar do que se passou
neste domingo: fazer e prometer fazer uma gestão prudente das finanças
públicas passou a fazer parte no discurso de quem faz política à escala
local. Nalguns casos terá valido votos preciosos.
No Porto, Rui Moreira avançou para a Câmara com o objectivo de
preservar as “boas contas” e venceu com um discurso contra as propostas
“populistas e irrealizáveis” do candidato do PSD. Em Lisboa, a proposta
de Fernando Seara de cavar mais um túnel e mais dívida também não terá
ajudado a roubar votos a António Costa. Em Leiria – terra onde um
mega-estádio, onde se chegou a jogar à bola, quase engoliu o Castelo e
ainda engole 5 mil euros diários em juros da dívida contraída para a sua
renovação aquando do Euro-2004 – Raul Castro, do PS, reconquistou o
voto de muito eleitor porque, não fazendo obra, aliviou em 30% o
endividamento da autarquia.
Depois, é bem verdade, há sempre notórias - e não tão escassas -
excepções. Como a de Oeiras dos tiques farónicos, do SATU e dos parques
povoados muitas vezes com mais estátuas do que gente, onde 78 mil
ficaram em casa e 23 mil deram a vitória a uma sequela medíocre de
Isaltino Morais que promete levar o concelho mais à frente com fundos
europeus que difícil – e felizmente – voltará a ter.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
03/10/13
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