O improviso como regra
O serviço público de televisão tem sofrido não poucos tratos de polé e
entorses ao longo da sua atribulada existência e através de sucessivos
governos.
Terminado o regime monopolista, conviveu melhor ou pior com
os novos operadores privados, ensaiou concorrência pura e dura, foi à
luta, ganhou e perdeu, foi palco continuado de disputas como instrumento
ideológico e político do poder do dia.
Com o actual Governo, a
RTP já esteve para ser privatizada, no todo ou em parte, já se admitiu
que fosse concessionada e, no mais recente modelo, continuando pública,
passa a depender da fiscalização de uma ‘comissão de sábios’ . Entre as
propostas de Miguel Relvas e as de Poiares Maduro cabe tudo, não tendo
mudado o Governo nem o respectivo Programa. Nem o primeiro-ministro.
Ou
seja: o mesmo Governo pode mudar de opção de fundo, relativamente ao
operador público de televisão, com a mesma espantosa ligeireza que lhe
permite lançar briefings diários com os jornalistas, logo a seguir
suspensos, porque estavam a gerar «ruído desproporcional», segundo o
piedoso acto de contrição de Pedro Lomba, ‘espantado’ com o
funcionamento dos ministérios «como mini-Governos». Para um activo
ex-blogger surpreende tanto desconhecimento.
Os ziguezagues da
coligação, desde a famosa TSU aos malabarismos nos media do Estado, são
deveras preocupantes, reveladores de impreparação ou de decisões tomadas
em cima do joelho.
Diz o Programa do Governo nesta matéria: «O
Estado deve repensar o seu posicionamento no sector da Comunicação
Social, enquanto operador, tanto ao nível do grupo RTP como da Lusa (…).
O grupo RTP deverá ser reestruturado de maneira a obter-se uma forte
contenção de custos operacionais, já em 2012, criando, assim, condições
tanto para a redução significativa do esforço financeiro dos
contribuintes quanto para o processo de privatização. Este incluirá a
privatização de um dos canais públicos a ser concretizada oportunamente e
em modelo a definir (…)».
A menos que o Programa do Governo seja
um simples exercício de estilo para cumprir calendário, é intrigante
que, volvidos dois anos, Passos Coelho tenha deixado cair a primeira
bandeira, aparecendo agora silencioso perante o novo modelo defendido
por Poiares Maduro, inspirado na estrutura da britânica BBC, sem
qualquer menção à privatização anunciada.
Na forja está agora uma
nova e nebulosa entidade «genuinamente independente», de supervisão do
serviço público de rádio e televisão, à qual caberá a escolha dos
futuros gestores, recrutados mediante concurso público. Volta-se à
estaca zero. É outro roteiro.
Está visto que o Executivo convive
mal com o seu próprio Programa, nesta como noutras áreas sensíveis da
governação, onde Passos Coelho se tem revelado tão categórico como
errático, oferecendo de si, a meio do mandato, uma ‘imagem de marca’
pouco abonatória das suas certezas.
A RTP é um barco à deriva.
Poiares Maduro, se quiser ser tutela, terá de repensá-la a sério, antes
que as audiências, em acelerada curva descendente, deixem de ter
qualquer utilidade como serviço público que o contribuinte suporta. Sem
vislumbre do benefício.
24/09713
.
Sem comentários:
Enviar um comentário