Estratégia em
24 caracteres
Começando com um tabuleiro vazio, a essência do Go
é a construção e não a destruição e o jogo permite e estimula a
aprendizagem através dos erros que se cometem. Cada jogo conserva um
registo de si próprio e, tal como na vida, o jogador pode refletir sobre
as suas escolhas e erros passados
Uma forma de apreciarmos as diferentes
culturas é através dos jogos com que os diversos povos se entretêm e
onde exercitam o espírito e a mente. Uns jogam póquer, outros xadrez e
os chineses jogam Go, um jogo que se ganha quando o opositor perde
qualquer capacidade de movimentação e o vencedor controla todo o
território. Go é um jogo de tabuleiro constituído por elementos e regras
muito simples, visualmente elegante – linhas e círculos, preto e
branco, madeira e pedra –, mas repleto de uma tal subtileza que retém
fluidez e dinamismo por muito mais tempo do que outro jogo comparável.
Li Chuan é mestre na arte de jogar Go e explicou-me que a melhor forma
de alcançar a vitória é através da paciência e persistência com que se
joga. No decurso do jogo a vantagem muda de lado inúmeras vezes e um bom
jogador é aquele que está preparado para conceder vitórias temporárias,
sendo flexível, mas decidido.
Li Chuan diz-me que o Go é uma analogia da vida, uma
combinação de paradoxos, o mais simples de todos os jogos – trata-se
apenas de ocupar terreno e de evitar ser ocupado – e o mais complexo de
todos: ao contrário de outros jogos todas as jogadas são possíveis em
todos os momento. Começando com um tabuleiro vazio, a essência do Go é a
construção e não a destruição e o jogo permite e estimula a
aprendizagem através dos erros que se cometem. Cada jogo conserva um
registo de si próprio e, tal como na vida, o jogador pode refletir sobre
as suas escolhas e erros passados que estão ali, à sua vista, e que
poderá tentar corrigir num próximo jogo. Go é uma ótima exercitação da
mente e um jogo de estratégia por excelência.
Olhando
o tabuleiro onde as pedras pretas e brancas estão dispostas como um
poema, Li Chuan lembrou-me que a famosa estratégia em 24 caracteres de
Deng Xiaoping tem provavelmente inspiração neste jogo. Deng Xiaoping
(1904-1997), o arquiteto das reformas que trouxeram a China à economia
de mercado, estabeleceu um conjunto de princípios orientadores
destinados ao corpo diplomático chinês em ação no estrangeiro e que
conseguiu resumir em apenas 24 caracteres organizados em seis frases de
quatro caracteres cada. Qualquer tradução para uma língua ocidental terá
dificuldade em transmitir a riqueza e a densidade da mensagem, mas
ainda assim Li Chuan arriscou uma interpretação de cada uma das frases:
1- observar tranquilamente;
2- proteger a nossa posição;
3- lidar tranquilamente
com todos os assuntos;
4- dissimular as nossas reais capacidades,
5- planear e
esperar pela melhor oportunidade;
6- manter sempre um perfil baixo; e
nunca, nunca reclamar a liderança.
Estes princípios
continuam ainda hoje subjacentes à diplomacia e à inteligência
económica chinesas, mas em Dezembro de 2012 passaram a incorporar uma
subtil e importante revisão. Num discurso proferido no Instituto de
Estudos Estratégicos Internacionais, um "think tank" do Exército Popular
Chinês, o General Ma Xiaotin, um alto dignitário do exército, revisitou
as prescrições de Deng Xiaoping, mas acrescentou mais alguns caracteres
à quinta frase que deverá ler-se agora: manter sempre um perfil baixo
"e alcançar algo". Esta mudança quer de facto dizer que embora a China
continue a preferir uma estratégia de não exibição – até ao contrário da
real importância que o país tem na Ásia e no mundo – ela tem de
efetivamente fazê-lo com o propósito de atingir algo.
Conhecermos estes princípios e a forma como eles vão mudando é uma forma de entendermos os chineses e como lidar com eles.
Professora no ISCTE Business School
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/07/13
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