.
IN "SOL"
26/08/13
.
O mundo fora de controlo
A incapacidade de prever a História e acompanhar a velocidade tumultuosa
com que se desencadeiam sucessivas convulsões políticas, sociais e
económicas tornou-se uma das marcas mais fortes dos tempos febris em que
vivemos.
Veja-se o que acontece agora no Egipto e faça-se o balanço
actual das chamadas Primaveras Árabes. Ou encare-se a sequência da
história económica global – especialmente americana e europeia – dos
últimos cinco anos. A desorientação é o traço comum e o mundo
aparece-nos fora de controlo.
Ninguém foi capaz de prever
verdadeiramente o crash de 2008 e as suas consequências devastadoras nos
Estados Unidos e na Europa. Houve, é claro, espíritos mais lúcidos e
distanciados do vulcão dos interesses em jogo que lançaram alertas sobre
essa corrida para o desastre, mas nem eles terão talvez acreditado
completamente nos seus próprios olhos.
Estávamos a repetir, com
uma inconsciência suicidária, os passos que haviam conduzido à Grande
Depressão, sem que tivéssemos aprendido nada com isso. Pelo contrário,
triunfava um sentimento de imunidade e impunidade entre as elites
financeiras e políticas, ambas possuídas por uma idêntica atracção pelo
abismo.
Nos últimos tempos, uma pequena luz parece ter surgido ao
fundo do túnel, anunciando uma viragem das expectativas económicas nos
EUA e na Europa. Mas também aqui ninguém parece apreender a consistência
desses sinais, o seu carácter mais ou menos fugaz, ilusório – ou
duradouro.
A confusão e a desorientação mantêm-se. Tome-se um
exemplo recente: a próxima sucessão de Ben Bernanke, o presidente da
Reserva Federal dos Estados Unidos (a FED), e porventura o americano
mais poderoso depois de Obama. Bernanke destacou-se pela sua extrema
prudência na pilotagem do banco central dos EUA em tempos de extremas
dificuldades. Mas um dos dois favoritos a suceder-lhe – e contando com o
apoio da maioria dos círculos próximos de Obama… – é o antigo
secretário de Estado do Tesouro Larry Summers, então um dos principais
responsáveis pela desregulação dos produtos financeiros que conduziria à
situação catastrófica de 2008. Nem mais nem menos.
Se Obama o
escolher e não à outra principal candidata, a discreta Janet Yellen, até
agora ‘número dois’ de Bernanke e adepta de uma filosofia reguladora do
mundo da finança, então ficará mais uma vez claro que as lições do
passado não servem rigorosamente para nada (a não ser que Summers se
tenha metamorfoseado no seu contrário, a exemplo do que em Portugal se
quis fazer crer a propósito do ex-secretário do Tesouro, Pais Jorge…).
É
evidente que Obama poderá ainda recorrer a uma terceira escolha, mas o
facto de estas duas protagonizarem o duelo principal de concepções sobre
a orientação da FED mostra o nevoeiro que paira sobre as opções
presidenciais e a já tradicional dificuldade de Obama em libertar-se das
asfixiantes pressões de Wall Street.
Entretanto, a actualidade
internacional passou a ter o seu epicentro no caos e no clima de guerra
civil em que se encontra o Egipto. O Exército aproveitou-se da recente
revolta popular contra o Governo islamita de Mohamed Morsi para tentar
destruir finalmente o inimigo histórico do poder militar, os Irmãos
Muçulmanos.
Os movimentos laicos e liberais que, num primeiro
momento, haviam saudado a iniciativa militar de derrubar Morsi – e
impedir assim a ameaça em curso de islamização da sociedade –, acabaram
por confrontar-se com uma estratégia sanguinária que os ultrapassou,
quando as forças armadas e policiais atacaram com inaudita atrocidade os
redutos dos Irmãos Muçulmanos, deixando atrás de si centenas de
vítimas. Era impossível deixar de lembrar a interminável tragédia síria,
à qual a impotência internacional já desistiu de tentar pôr cobro.
O
novo Vice-Presidente egípcio e figura mais respeitada das elites
liberais, El Baradei, demitiu-se do cargo em protesto contra as
atrocidades militares, o que lhe valeu um processo «por trair a
confiança nacional». Coincidência sintomática: horas depois, o antigo
ditador Mubarak era libertado.
As desilusões das Primaveras
Árabes parecem, portanto, não ter fim. Impulsionadas pelo desejo de
liberdade e democracia e animadas pelos sectores mais jovens e modernos
da sociedade, ei-las hoje encurraladas entre o retorno do autoritarismo
militar, a ameaça islamita ou as lutas fratricidas e sectárias dos
grupos religiosos.
Como voltar a ter esperança perante este
cruzamento de tantos factores hostis? Como sobreviverá o desejo de
liberdade e democracia à adversidade destes tempos de sangue e cinzas?
Seja como for, o direito a viver numa sociedade livre e democrática não tem fronteiras.
IN "SOL"
26/08/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário