30/08/2013

VICENTE JORGE SILVA

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O mundo fora de controlo

A incapacidade de prever a História e acompanhar a velocidade tumultuosa com que se desencadeiam sucessivas convulsões políticas, sociais e económicas tornou-se uma das marcas mais fortes dos tempos febris em que vivemos.

Veja-se o que acontece agora no Egipto e faça-se o balanço actual das chamadas Primaveras Árabes. Ou encare-se a sequência da história económica global – especialmente americana e europeia – dos últimos cinco anos. A desorientação é o traço comum e o mundo aparece-nos fora de controlo.

Ninguém foi capaz de prever verdadeiramente o crash de 2008 e as suas consequências devastadoras nos Estados Unidos e na Europa. Houve, é claro, espíritos mais lúcidos e distanciados do vulcão dos interesses em jogo que lançaram alertas sobre essa corrida para o desastre, mas nem eles terão talvez acreditado completamente nos seus próprios olhos.

Estávamos a repetir, com uma inconsciência suicidária, os passos que haviam conduzido à Grande Depressão, sem que tivéssemos aprendido nada com isso. Pelo contrário, triunfava um sentimento de imunidade e impunidade entre as elites financeiras e políticas, ambas possuídas por uma idêntica atracção pelo abismo.

Nos últimos tempos, uma pequena luz parece ter surgido ao fundo do túnel, anunciando uma viragem das expectativas económicas nos EUA e na Europa. Mas também aqui ninguém parece apreender a consistência desses sinais, o seu carácter mais ou menos fugaz, ilusório – ou duradouro.

A confusão e a desorientação mantêm-se. Tome-se um exemplo recente: a próxima sucessão de Ben Bernanke, o presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos (a FED), e porventura o americano mais poderoso depois de Obama. Bernanke destacou-se pela sua extrema prudência na pilotagem do banco central dos EUA em tempos de extremas dificuldades. Mas um dos dois favoritos a suceder-lhe – e contando com o apoio da maioria dos círculos próximos de Obama… – é o antigo secretário de Estado do Tesouro Larry Summers, então um dos principais responsáveis pela desregulação dos produtos financeiros que conduziria à situação catastrófica de 2008. Nem mais nem menos.

Se Obama o escolher e não à outra principal candidata, a discreta Janet Yellen, até agora ‘número dois’ de Bernanke e adepta de uma filosofia reguladora do mundo da finança, então ficará mais uma vez claro que as lições do passado não servem rigorosamente para nada (a não ser que Summers se tenha metamorfoseado no seu contrário, a exemplo do que em Portugal se quis fazer crer a propósito do ex-secretário do Tesouro, Pais Jorge…).

É evidente que Obama poderá ainda recorrer a uma terceira escolha, mas o facto de estas duas protagonizarem o duelo principal de concepções sobre a orientação da FED mostra o nevoeiro que paira sobre as opções presidenciais e a já tradicional dificuldade de Obama em libertar-se das asfixiantes pressões de Wall Street.

Entretanto, a actualidade internacional passou a ter o seu epicentro no caos e no clima de guerra civil em que se encontra o Egipto. O Exército aproveitou-se da recente revolta popular contra o Governo islamita de Mohamed Morsi para tentar destruir finalmente o inimigo histórico do poder militar, os Irmãos Muçulmanos.

Os movimentos laicos e liberais que, num primeiro momento, haviam saudado a iniciativa militar de derrubar Morsi – e impedir assim a ameaça em curso de islamização da sociedade –, acabaram por confrontar-se com uma estratégia sanguinária que os ultrapassou, quando as forças armadas e policiais atacaram com inaudita atrocidade os redutos dos Irmãos Muçulmanos, deixando atrás de si centenas de vítimas. Era impossível deixar de lembrar a interminável tragédia síria, à qual a impotência internacional já desistiu de tentar pôr cobro.

O novo Vice-Presidente egípcio e figura mais respeitada das elites liberais, El Baradei, demitiu-se do cargo em protesto contra as atrocidades militares, o que lhe valeu um processo «por trair a confiança nacional». Coincidência sintomática: horas depois, o antigo ditador Mubarak era libertado.

As desilusões das Primaveras Árabes parecem, portanto, não ter fim. Impulsionadas pelo desejo de liberdade e democracia e animadas pelos sectores mais jovens e modernos da sociedade, ei-las hoje encurraladas entre o retorno do autoritarismo militar, a ameaça islamita ou as lutas fratricidas e sectárias dos grupos religiosos.

Como voltar a ter esperança perante este cruzamento de tantos factores hostis? Como sobreviverá o desejo de liberdade e democracia à adversidade destes tempos de sangue e cinzas?

Seja como for, o direito a viver numa sociedade livre e democrática não tem fronteiras.


IN "SOL"
26/08/13

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