A revolução
nunca aconteceu?
Foi há pouco mais de um ano: “Hosni Mubarak condenado a prisão
perpétua”. A frase teria parecido impossível antes de Janeiro de 2011,
mas em Junho de 2012 fazia todo o sentido. Mesmo com a condenação, a
Tahrir encheu-se de jovens manifestantes – afinal, seis responsáveis do
Ministério do Interior tinham sido ilibados do mesmo crime, cumplicidade
na morte de 846 manifestantes durante os 18 dias de protestos que
levaram o Exército a afastar Mubarak do poder.
Mubarak não saiu da prisão
para um exílio dourado. Saiu de Tora para um hospital e é ali que vai
aguardar pela repetição do julgamento. O “faraó” nunca voltará ao
palácio. Mas os egípcios que em Junho do ano passado protestaram contra a
sentença dos chefes da polícia e que tantas vezes antes tinham saído à
rua para pressionar os generais e garantir que o ditador pagava pelos
seus crimes, estão agora anestesiados. Vêem Mubarak sair de Tora e as
celas de Tora a encher-se com dirigentes da Irmandade Muçulmana e isso
parece-lhes normal. Assistem ao regresso do estado de emergência contra o
qual lutaram – antes da revolução até, quando o medo da prisão, da
morte, da palavra, era a cola que mantinha a ditadura – e aceitam-no
como uma inevitabilidade, um remédio amargo e necessário para se
livrarem da Irmandade Muçulmana.
A 2 de Junho de 2012, quando
Mubarak foi condenado pela morte de centenas de jovens egípcios,
faltavam duas semanas para a segunda volta das presidenciais. Mohamed
Morsi, da Irmandade Muçulmana, enfrentava nas urnas o último
primeiro-ministro do ditador, apoiado pelos generais que tinham assumido
o controlo do país e que faziam tudo para conservarem direitos e
privilégios, salvando o que podiam do regime. Jovens revolucionários de
esquerda e laicos preparavam-se para engolir em seco e votar num
islamista, pensando que assim davam mais um pequeno passo para enterrar
60 anos de ditadura militar.
O fim da ditadura militar não é
impossível mas hoje não é para isso que o Egipto caminha. O derrube de
Morsi, primeiro Presidente egípcio escolhido em eleições livres e
democráticas, pode ter sido forçado pelas manifestações de milhões a
pedirem a sua demissão mas não deixou por isso de ser um golpe militar.
Um golpe dos generais que sempre controlaram os destinos do Egipto.
Morsi podia ser incompetente, sectário e até ter um plano secreto para
transformar o Egipto no Irão, mas isso não apaga a morte de centenas de
apoiantes da Irmandade às mãos das forças de segurança. O que aconteceu
nas últimas semanas não é por isso menos massacre.
Os egípcios que
agora toleram as mortes e as detenções ainda são os mesmos que lutaram
na Tahrir contra os julgamentos militares de civis e a brutalidade da
polícia. Os egípcios que agora vêem Morsi ser preso e Mubarak ser
colocado em prisão domiciliária ainda são os mesmos que arriscaram a
vida para terem eleições em vez de faraós. Estão só anestesiados.
IN "PÚBLICO"
22/08/13
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