O secularismo
e o Islão
Os milhares de
pessoas que, um pouco por toda a Tunísia, têm saído à rua nesta semana
exigindo a demissão do Governo do Ennahda, estão também descontentes com
a governação dos islamitas no seu país, e ambicionam conseguir aquilo
que os egípcios fizeram com a revolução do Tamaroud.
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Desesperados
com a falta de uma constituição, que está para ser feita quase desde que
Ben Ali saiu, não percebem este longo atraso e a indefinição política
em que vivem. O assassínio do líder de esquerda, Chokri Belaid, em
fevereiro deste ano, agravou ainda mais a situação, porque levou à
demissão do primeiro-ministro, Hemad Jebali, à formação de um governo
provisório para terminar a constituição e à marcação de novas eleições,
que nunca foram definidas no calendário. Para piorar tudo, em 26 de
julho passado, foi morto um outro opositor, Mohamed Brahmi, alegadamente
pelo mesmo jihadista que deu um tiro no primeiro. Agora com estas
manifestações, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte,
Mustapha Ben-Jafaar, voltou a suspender os trabalhos, e se mau estava,
caótico ficou.
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A revolta dos tunisinos tem, apesar das diferenças,
muito de comum com a dos egípcios, porque ambos reclamam contra a
Irmandade Muçulmana, eleita democraticamente nos dois países, mas que,
passado um ano de poder, conseguiu colocar aqueles que votaram neles nas
ruas a pedir para saírem. O líder do partido no poder, Rached
Ghannouchi, já veio alertar para o perigo de um golpe militar, igual ao
que diz ter acontecido para depor Morsi, mas os milhares de pessoas que
enchem as ruas em manifestações diárias de protesto dizem que não vão
desistir, enfrentando jihadistas que chegam todos os dias e que estão a
criar uma instabilidade inaudita neste recanto do Mediterrâneo do Sul.
Se o Exército vai intervir em defesa da população, como os seus
homólogos egípcios dizem ter feito, só o futuro o dirá, muito embora com
essa atitude possam correr o risco de serem criticados por abuso de
poder, tal como a Prémio Nobel da Paz Tawakkul Karman já o fez.
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De
qualquer forma, este antagonismo face à Irmandade Muçulmana parece ser
contagioso, e até na Líbia, onde eles não ganharam as eleições, as suas
sedes têm sido atacadas e incendiadas.
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A revolta contra os
partidos islamitas a que estamos a assistir, mais de dois anos passados
após as primeiras revoltas da Primavera Árabe, parece estar a trazer a
vontade de secularizar a política e a democracia nesta região, uma
vontade anacrónica para muitos de nós, mas se nos lembrarmos do papel
que os partidos democratas-cristãos tiveram em algumas partes da Europa,
até há bem pouco tempo, não é assim tão estranha nem tão distante. A
democracia é um processo de aprendizagem longo, que se faz com o tempo. É
natural que a população destas jovens democracias confiasse o poder à
oposição das ditaduras, ou seja, aos partidos nascidos dos movimentos
religiosos. Insatisfeita com os resultados, sai agora à rua, reclamando
algo que nós também fizemos: que a política e a religião sejam dois
mundos que vivam separados, sem que a prática de uma colida com os
princípios da outra, porque a sobreposição de qualquer uma prejudica e
cria confusões, como a de que o terrorismo jihadista é um ato religioso
enquanto, na realidade, é apenas uma forma errada de fazer política,
lembrando o IRA na Irlanda ou a ETA em Espanha.
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Teria sido mais
fácil para a Irmandade Muçulmana ter copiado o modelo turco, que foi,
até há bem pouco tempo, um excelente exemplo da compatibilidade entre o
secularismo, a democracia e o Islão, ou não fosse o AKP de Recep
Erdogan, um partido de inspiração neste movimento religioso. Se tiveram
pouco tempo para o fazer, é também uma verdade, mas pelo menos deveriam
ter tentado, o que não aconteceu, quer no Egito como na Tunísia.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
09/08/13
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