Presidente da República, justiça e desporto:
de novo?
1. Alguns leitores estarão lembrados do apelo que aqui fizemos
ao Presidente da República para que requeresse ao Tribunal
Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade do
decreto da Assembleia da República que tinha aprovado a criação do
Tribunal Arbitral do Desporto. O apelo foi motivado por fundadas dúvidas
que tinha quanto à constitucionalidade de algumas das normas aprovadas
pelo Parlamento e, em particular, pela instituição de uma arbitragem
necessária em conflitos de natureza pública, com total exclusão do
acesso aos tribunais e de uma tutela jurisdicional efectiva.
2. O
Presidente da República solicitou essa apreciação e o Tribunal
Constitucional, numa votação que não deixou margem para dúvidas – embora
a maioria parlamentar venha sempre falando em “por maioria”, numa
demagógica tentativa de ganhar algum espaço de dúvida –, considerou que
essa arbitragem necessária, como desenhada para o Tribunal Arbitral do
Desporto, violava mesmo a Constituição da República Portuguesa (é uma
chatice haver este texto). Não se olvide que, desta forma, “morreu”
também um claro e semelhante propósito do Partido Socialista que, neste
aspecto, engrossava a maioria parlamentar.
3. Os
“moços”, contudo, não desistiram. Assim, o PSD e o CDS-PP vieram a
apresentar alguns remendos ao decreto inconstitucional, procurando
remendar aquilo para o qual, durante meses, tinham sido sobejamente
alertados (e também o Partido Socialista). Tais emendas vieram a ser
aprovadas, agora com os votos contrários da oposição parlamentar,
escudando-se Laurentino Dias na ideia de que agora tudo mudou (após o
acórdão do Tribunal Constitucional) e ainda que lhe subsistem dúvidas
quanto ao erradicar das inconstitucionalidades afirmadas pelo Tribunal
Constitucional.
4. Centremo-nos, de novo, na
arbitragem necessária. Ponto de partida. Ela mantém-se inalterável,
enquanto prevista nos artigos 4.º e 5.º da Lei do Tribunal Arbitral do
Desporto. O que muda, então, neste novo decreto da Assembleia da
República? Haverá recurso das suas decisões para os tribunais
administrativos de segunda instância? Não. O que agora se prevê é um
recurso especial (e excepcional) de revista das decisões do TAD para o
Supremo Tribunal Administrativo. O que se afirma agora, no artigo 8.º,
n.º 2, é que das decisões do TAD, “pode haver recurso de revista para o
Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de
uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de
importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente
necessária para uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as
necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais
Administrativos quanto ao recurso de revista”.
5.
Estamos, pois, como uma simples leitura permite apreender de imediato,
perante uma possibilidade de recurso sujeita ao preenchimento de
determinados requisitos que revelam a sua excepcionalidade. Não nos
deparamos, nesta solução, com um recurso, “puro e duro”, para obter uma
decisão contrária à alcançada pelo TAD. Apenas em alguns casos
limitados, “saltando” pela segunda instância, se permite uma apreciação
pelos tribunais.
6. Reparou-se a
inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional? Pensamos
que não. Terá o Presidente da República a paciência necessária para, de
novo, se preocupar com esta matéria e enviar este decreto ao Tribunal
Constitucional? Esperemos que sim. Todavia, antecipe-se, seria algo
digno de registo, em face das circunstâncias. Se o Presidente da
República mirar a norma atrás referida, encontrará, por certo, “uma
questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de
importância fundamental”.
7. Duas preventivas? Difícil e uma verdadeira aposta no cansaço (em época estival), da maioria parlamentar.
Professor de Direito do Desporto
IN "PÚBLICO"
16/08713
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