13/08/2013

ELISABETE MIRANDA

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Cortes nas pensões: 
mitos e contradições

Se faz parte do grupo dos que acreditam que a proposta de cortes nas pensões vai afectar aqueles que conquistaram uma reforma generosa durante passagens meteóricas pelo Estado, desengane-se. Se acha que estes cortes devem avançar para aliviar a sacrificada geração de trabalhadores, esqueça. Embora o preâmbulo do diploma tenha sido cuidadosamente preparado para juiz do Constitucional ler, é difícil argumentar-se que dali resultará uma repartição dos esforços efectivamente justa, quer entre categorias de pensionistas, quer entre gerações. 
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Apesar de o corte até 10% nas pensões ser justificado com a necessidade de criar condições de igualdade entre o sector público e o privado, ele não vai apanhar nem as pensões mais altas do Estado, nem aquelas que gozaram de maior arbitrariedade na sua fixação. A proposta apresentada esta semana aplica-se às pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA). Ficam abrangidos os funcionários públicos em sentido estrito e eventualmente os reformados de fundos de pensões que foram transferidos para a CGA, como a CGD, NAV, CTT, Marconi, Ana, entre outros. Mas, mesmo aqui, excepcionam-se os que têm pensões indexadas aos salários dos trabalhadores, o que deixa pelo menos a CGD de fora.

De fora do alcance dos cortes ficam ainda, e por definição, os reformados de empresas públicas que estão alojados na Segurança Social, como o Metro, Carris, STCP ou TAP. Nestes casos estão salvaguardadas tanto as pensões como os complementos de pensão que estas empresas atribuem. A salvo ficam ainda as reformas pagas por fundos de pensões de entidades públicas como o Banco de Portugal.

Como é bom de concluir, são os sectores do Estado onde a fixação de salários e pensões andou muitas vezes ao sabor da generosidade das administrações, que ficam, no essencial, salvaguardados dos cortes definitivos. E é a "arraia miúda" que leva com eles.

A reposição da equidade intergeracional é outro dos mitos que esta proposta esboroa. Diz o Governo que os actuais trabalhadores enfrentam um esforço desproporcionado entre o que descontam e o que vão receber no futuro a título de pensão. E, por isso, é preciso cortar nas pensões actuais para calibrar esforços. Mas não há nas propostas qualquer alívio nos descontos dos actuais trabalhadores nem tão pouco uma melhoria na fórmula de cálculo das pensões futuras.

Pelo contrário, a proposta do ministro Pedro Mota Soares encerra um castigo adicional à futura geração de reformados. Ao alterar artificialmente o cálculo do factor de sustentabilidade, deslocando a sua base do ano 2006 para o ano 2000, o Governo está a ditar uma redução adicional no valor das futuras pensões. Para se ter uma ideia, ao ritmo a que a esperança de vida vinha evoluindo, quem se reformar em 2040 ia enfrentar uma desvalorização da sua pensão na ordem dos 23%. Com a alteração desta fórmula, que terá reflexos directos na idade da reforma, a penalização será de 29%, tanto no sector público como no privado. E poderá não ficar por aqui.

Por fim, uma questão menor, mas que é reveladora dos diferentes níveis de delicadeza com que o Governo trata diferentes grupos sociais. As bonificações na contagem de tempo de trabalho para a reforma, de que beneficiam alguns militares e autarcas, por exemplo, vão acabar. Mas terminarão no final do ano salvaguardando-se o tempo acumulado até essa data. Aqui, respeitam-se escrupulosamente direitos ainda em formação. A quem já está a receber as pensões não se reconhecem direitos já formados.

Com tamanhas incongruências e discriminações não admira que o Governo esteja apreensivo com o Tribunal Constitucional.

*Jornalista 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/08/13

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