19/08/2013

DALILA HONORATO

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Portugal visto da Grécia
 em ondas de choque

Em 1997, para os gregos, Portugal era ainda um país por descobrir. Valham-nos o fado, a revolução dos cravos, a poesia e o futebol! Mas havia já a ideia de que era um país bem comportado no espaço europeu, onde os governantes são empreendedores e os habitantes respeitam a fila para entrar no autocarro.

Na Grécia uma coisa parece clara, pois se nem os portugueses escapam, como será possível libertar-se das algemas dentro deste tanque que gera indefinidamente dívidas crescentes?
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O meu contacto com a vida económica e política de Portugal era bastante mais intenso nos primeiros anos, depois fui perdendo a assiduidade informativa. Primeiro deixei de conseguir receber o sinal de satélite da RTP Internacional e depois foi a aplicação do acordo ortográfico que confesso me perturba durante a leitura. A verdade é que, quando a visão da actualidade de um país é delimitada pela projecção filtrada dos media, o resultado pode ser gradualmente o desfocar da concepção que temos da pátria até ao ponto de não ser possível identificar a diferença entre a mistificação e a realidade do passado. E então torna-se muito difícil entender o presente. Para usar um conceito de Naomi Klein no seu livro A Doutrina do Choque: a Ascenção do Capitalismo de Desastre (2007) a visão que tenho de Portugal tem sido modelada por uma série de "choques" dos quais distingo quatro.
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O primeiro em 1998 com os resultados no Referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. Mas então em Portugal, no espaço familiar, na escola ou na sociedade em geral, as mulheres não têm direito a revelar e impôr as suas opiniões? Senão pela conquista do direito ao voto feminino em 1931, pelo menos com base na Constituição da República Portuguesa de 1976. Pois se há mulheres juízes, se há mulheres deputadas e inclusivamente uma mulher que havia ocupado o cargo de primeiro-ministro, porque negar-lhes a possibilidade de decidir sobre algo tão pessoal?
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O factor económico é crucial no planeamento familiar. Dever moral da sociedade que defende a vida deveria ser incentivar a educação sexual adequadamente leccionada como matéria disciplinar nas escolas, dada a necessidade de informação dos jovens, em vez de criminalizar os seus cidadãos. Claro que a questão do alargamento emergente da informação sobre a sexualidade, dada a elevada taxa de gravidez de adolescentes, já existia quando frequentava o ensino secundário. E pergunto-me: que anda a fazer a minha geração hoje que são pais enquanto o número de adolescentes grávidas por ano continua a ser tão notável quanto a taxa de abandono escolar?
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Em 2003, o segundo choque, a organização da Cimeira sobre o desarmamento do Iraque na Base das Lages nos Açores. Mas Portugal não era um país pacifista que havia repugnado de forma definitiva qualquer forma de política colonial? Parecia-me claro que a iniciativa de concretização de uma reunião com um objectivo tão definido em território nacional ultrapassava a responsabilidade de um mero governo no seu segundo ano de existência. Talvez a minha ingenuidade relacionada com as oportunidades dos mercados em periodo de guerra não me permita alcançar as dimensões desta originalidade, por parte do então primeiro-ministro, que seguramente deve ter contribuído bastante para o reconhecimento do desempenho de Portugal em casos de política externa, a tal ponto que um nome fosse óbvio para um lugar na presidência da Comissão Europeia.
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Em 2005, o novo primeiro-ministro parecia trazer um bom presságio dado o seu nome de carácter mais filosófico. Mas não se deve julgar um livro pela capa e naquele Verão tão quente, ainda no primeiro semestre do seu mandato, fiquei chocada com a falta de sensibilidade humana do mais alto cargo do governo enquanto o país estava a ser flagelado por incêndio atrás de incêndio. Durante esses dias em que extensões enormes de floresta nacional, bens pessoais e vidas se perderam, por muito que nos garantam que a situação está sob controle, a partir do momento em que se é nomeado primeiro-ministro de um país, deve estar-se disponível para a sua população, dedicando um mínimo de atenção, senão pessoalmente pelo menos através dos meios audiovisuais.
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Em 2011, o grande choque, a intervenção do FMI no país. Onde estava a minha nação heróica pronta a assumir qualquer sacrifício para evitar a perda da soberania nacional? Porque foi encarada pelos seus governantes como incapaz de decidir por referendo? Que diferença em comparação com a frontalidade e a maturidade do povo islandês... Mas para isso é necessário estar informado e isso não significa limitar-se a consumir aquilo que os media tradicionais projectam, atordoado pela fobia de uma futura catástrofe. É importante inter-relacionar-se para estar informado sobre a existência no momento presente e é desta forma que o medo do amanhã se torna ridículo porque a percepção das coisas se torna mais definida.
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Depois disto, o caso de Miguel Relvas, em 2013, não foi um choque mas uma apagada exclamação. Parece-me óbvio não ser uma licenciatura comprovativo de mérito pessoal mas a falta de ética é uma prova de ausência de moral e, nestes casos, o indivíduo em questão não deveria estar habilitado a candidatar-se para servir o bem comum porque creio que o objectivo de qualquer funcionário público é contribuir para o alcance da justiça social. E no entanto, ocupa actualmente um novo cargo, mesmo sem remuneração, mas um cargo de carácter cultural com projecção internacional.
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É claro que têm havido outros casos, como a nacionalização do BPN, as alegadas denúncias de tráfico de armas pela direcção da Universidade Lusófona e o abuso sexual de menores no interior da Casa Pia, que se tornaram igualmente chocantes para mim, sobretudo devido à indolência dos media tradicionais, tendo em conta o aprofundamento que deveria ter sido dedicado à investigação de temas que são um ataque directo à estabilidade nacional. Em vez disso, aquilo que me surpreende detectar no discurso mediatico é a necessidade de revelação do bode expiatório, "a culpa é da Grécia", repetida obsessivamente como mantra pelas bocas políticas, talvez na esperança de que deste modo se concretize ou talvez, qual Medusa, para evitar encarar a aterradora verdade no escudo. José Saramago, no seu extraordinário romance Ensaio sobre a lucidez, já escrevera "Aqui, cada um com o seu desgosto e todos com a mesma pena".

* Doutorada em Comunicação Social, professora universitária nas áreas de Estética dos Media e Semiologia da Imagem na Universidade Jónica, no Departamento de Artes Audiovisuais. Vive na ilha de Corfu, está na Grécia há 16 anos.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/08/13

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