Criatividade: modos de usar
Recentemente, o PÚBLICO perguntou a artistas plásticos, realizadores,
escritores, publicitários, entre muitas pessoas talentosas, o que é a
criatividade. Muitas respostas, todas diferentes. A ideia que fica é a
dificuldade em encontrar uma definição que resuma tão complexa questão.
A verdade é que a
criatividade pode ser uma boa pista para o nosso futuro colectivo. Mas,
vamos por partes. Mergulhemos nas várias faces da criatividade.
Em
certos casos, a criatividade é tão indissociável da prática que existem
profissionais chamados “criativos”, como na Publicidade. Com passagem
de atributo a substantivo, os criativos são uma classe profissional. O
que fazem, em concreto, estes directores criativos, directores de arte,
designers e redactores? Criam soluções para problemas apresentados pelos
clientes. É-lhes exigido resolver com originalidade mas também com
eficácia. A inovação, a imaginação e a originalidade são questões
recorrentes. Não é por acaso que David Droga, um reconhecido criativo,
desabafa: “não tenho medo da falha, tenho medo da repetição”.
Porém,
a criatividade, tal como a conhecemos hoje, é uma ideia com pouco mais
de um século. O significado actualmente atribuído à criatividade nada
tem a ver o uso do termo nas civilizações ancestrais. Na Antiga Grécia,
qualquer forma de arte, expressa na pintura ou na poesia, por exemplo,
não era criação. Não existia sequer a palavra “criar” sendo o mais
próximo o “fazer”. Na cultura ocidental, a noção de criatividade surge
com o cristianismo mas relacionada com a divina inspiração e não como
atributo do ser humano. A criatividade era competência de Deus. O
indivíduo só foi reconhecido como capaz de criar no período da
Renascença, porém, tal era tido como capacidade apenas reservada a
“grandes homens” (Albert & Runco, 1999).
O conceito de
criatividade desviou-se do carácter divino na Renascença, quando o acto
criativo deixou de ser exclusivo de Deus. Mas terá sido um processo
gradual que só se tornou evidente com o Iluminismo, relacionado com a
imaginação. Tornou-se objecto de estudo isolado apenas nos finais do
séc. XIX. Em 1926, Wallas dá um importante contributo para o conceito de
criatividade: considerava-a parte do processo evolutivo, que permitia
aos humanos adaptarem-se rapidamente a alterações de ambientes. Uma
ideia a reter.
Hoje, o conceito de criatividade é
multidimensional. Está ligado às artes e à literatura, às áreas
científicas, aos meios de comunicação, ao mundo empresarial, às
indústrias e até aos governos. Não raras vezes está relacionado com a
capacidade de gerar respostas. Como dizia Steve Jobs, novas soluções
trazem novos problemas. A diferença é que são novos.
Richard Florida (2002) dá outro tipo de pistas ao distinguir três
tipos de criatividade: a criatividade tecnológica (invenção), a
criatividade económica (empreendedorismo) e a criatividade
cultural/artística. A economia criativa será o resultado das interacções
entre tecnologia, arte e negócios (Hollanders & Cruysen, 2009).
Mas,
o que é, afinal, a criatividade na sociedade actual? Certos autores
convergem na ideia de que a criatividade ou a invenção "é ver o que
todos viram e pensar o que ninguém pensou", como Einstein e Feynman. May
(1975) referia-se à criatividade como o processo de trazer algo de
novo, que estaria escondido e que aponta para novas vias.
Parece
ser consensual é que é preciso muito mais do que inspiração. Quase tão
complexo como o conceito de criatividade são as várias abordagens ao
processo criativo. Um dos modelos incontornáveis foi apresentado por
Wallas (1926), e propõe cinco etapas: preparação, incubação, intimação,
iluminação ou insight e, finalmente, verificação. Neste processo, é comum recorrer ao brainstorming, uma técnica criativa exercida em grupo.
Contudo,
tal por si só, não basta. É preciso desenvolver competências, com o
pensamento bissociativo, a autonomia e a incubação (Swan & Birke,
2005). A criatividade envolve a bissociação: reunir diferentes
perspectivas, habitualmente incompatíveis, sobre a mesma questão.
Requer, ainda, um delicado equilíbrio entre a obediência e a
desobediência. A pessoa criativa deve questionar e desobedecer a normas
que sufocam o seu pensamento mas, ao mesmo tempo, quem desobedece
enfrenta críticas e isolamento. Por conseguinte, há "regras sobre como
quebrar as regras" (Cropley, 1999).
E a incubação? Contraria a
imagem da ideia luminosa. É a terceira condição da criatividade e
explica a forma como as empresas, nomeadamente, as agências de
publicidade, gerem a criatividade. É o culminar de períodos de
pensamento exaustivo e de esforço. Não quer dizer que o culminar não
seja repentino mas a descoberta baseia-se no processo intelectual.
A
acrescentar mais ao quadro, Daniel Pink (2005) defende que estamos a
entrar numa era em que a criatividade está a ganhar importância. Numa
era em que precisamos de alimentar e encorajar o lado direito do cérebro
(da criatividade e da emoção) mais do que o lado esquerdo (do
pensamento lógico e analítico).
Por fim, olhemos a criatividade
como factor de inovação. A produção de novas soluções, como parte da
resposta à encruzilhada da contemporaneidade, nomeadamente, os papéis em
mutação nos vários actores da sociedade – Estado, empresas e sociedade
civil.
Pertinentes as palavras de D. Manuel Clemente, quando
refere que a marca distintiva dos portugueses é a sua “capacidade de
resistência e a sua adaptação criativa, que só requer mais autoconfiança
e acompanhamento público para ir por diante.” (PÚBLICO, 26 de Maio de
2013). Criemos, pois! Criar é uma capacidade que está em qualquer um de
nós. É só substituir uma folha de excel por uma página em branco. E
começar a praticar, inspirados por Einstein: “a criatividade é a
inteligência a divertir-se”. Se tiverem dificuldade em começar,
perguntem a um criativo.
Investigadora na Universidade do Minho e directora da b+ comunicação
IN "PÚBLICO"
29/05/13
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