A esquizofrenia moral
do doutor Paulo Portas
Foi o próprio
Paulo Portas que colocou a questão em termos éticos e morais: "Vivo a
circunstância política em que tenho de cumprir com o meu dever perante o
País e devo também procurar ser quem sou, o que significa estar em paz
com a minha consciência."
Imagino que a consciência do cidadão
Portas pense que "a liderança é antes de tudo o mais um mistério que nem
sempre pode ser explicado pela racionalidade lógica". Talvez por isso o
ministro de Estado imponha aos funcionários públicos a chantagem da
escolha entre a mobilidade especial - 18 meses com salário reduzido e,
depois, desemprego - ou a aceitação de rescisões imediatas.
Imagino
que a consciência do líder democrata-cristão se interrogue: "Haverá
alguma coisa mais humilhante do que estar condenado a não poder ganhar o
seu próprio sustento?" Mas o dever do líder do PP conforma-se em atirar
para o desemprego, sem direito a subsídio, mais 30 mil pessoas.
Imagino
que a consciência conservadora de Paulo Portas admita que "a inclusão
ou exclusão das pessoas feridas e postas de lado define todos os
projetos económicos, políticos, sociais e religiosos" e que "uma pessoa
que trabalha deve tirar tempo para descansar, para estar com a família,
para se distrair", pois "quando o trabalho não dá espaço ao ócio
saudável, ao repouso reparador, escraviza". Mas o jurista Paulo Portas
acha correto cortar salários a quem já foi, nos últimos dois anos,
particularmente castigado e a aumentar o horário de trabalho a, pelo
menos, 600 mil pessoas.
Também acho que o antigo jornalista Paulo
Portas acredite que "os direitos humanos não são violados apenas pelo
terrorismo, pela repressão ou pelo assassínio, mas também pelas
estruturas económicas injustas", e que critique o facto de "na cultura
predominante de corte neoliberal, o imediato, o visível, o rápido, o
superficial ocupem sempre o primeiro lugar e o real ceda a vez à
aparência". Mas o político Paulo Portas, vergado pela pressão da
ilusória solução rápida para os nossos problemas, prefere cortar 4800
milhões de euros em serviços prestados pelo Estado sem saber muito bem
onde a cegueira dessa amputação vai cair.
O católico Paulo Portas
aceitará como dogma todas as frases do Papa Francisco - as que citei,
entre aspas, e também esta: "A medida de todos os seres humanos é Deus,
não o dinheiro." O governante Paulo Portas, não.
Que Portas
defenda a sua política, está certo. Que nos atire com moral à cara, está
errado. Infelizmente, o forte cheiro a hipocrisia cobre qualquer aroma
de honestidade intelectual ...
Resolva lá sozinho, senhor ministro, o seu problema de consciência, essa sua esquizofrenia moral.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
07/05/13
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