05/05/2013

MARINA COSTA LOBO

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Consenso(s) político(s)

Não é o governo que está em queda, é o próprio regime que está em crise, e mesmo em risco de sobrevivência. Nesse contexto mais alargado, as guerrilhas entre Presidente, PS e PSD fazem menos sentido, só exprimem a incapacidade das instituições de fazer face à situação que vivemos
O consenso é neste momento um pouco como a seriedade. Quem é sério, é-o simplesmente, não anda a apregoar a sua seriedade. De facto, já houve acordo entre Passos e Seguro, aliás altamente elogiado lá fora, tanto pelos líderes europeus como pelos jornais. Mas os acontecimentos da última semana – começando no discurso polarizador do Presidente no 25 de Abril e acabando no Congresso do PS – mostram no entanto que esse caminho está muito dificultado.

Nesta situação, como já escrevi anteriormente, cabe ao governo tomar a iniciativa. Não é credível uma mudança de atitude mantendo no governo o principal autor da desvinculação anterior em relação ao PS, isto é, Vítor Gaspar. Sobretudo quando o governo se prepara para anunciar cortes de 4 mil milhões de euros no Estado sem uma verdadeira tentativa de coordenação prévia com o PS. Aquilo que se ensaiou, parece um caso de "too little, too late".

Do lado do PS, o distanciamento de Seguro é mais uma estratégia de forçar eleições para formar governo do que uma mudança de políticas. Do ponto de vista do curto-prazo e puro tacticismo pode parecer a escolha mais acertada para Seguro.

Mas se olharmos melhor para o que se está a passar, não é o governo que está em queda, é o próprio regime que está em crise, e mesmo em risco de sobrevivência. Nesse contexto mais alargado, as guerrilhas entre Presidente, PS e PSD fazem menos sentido, só exprimem a incapacidade das instituições de fazer face à situação que vivemos.

E é que a quebra no entendimento político entre Presidente, PS e PSD tem de ser vista à luz da manutenção de um consenso de ferro que existe entre os dois partidos e que Seguro não pôs em causa no último Congresso: a continuação do apoio ao projecto europeu. A pertença à Europa e a progressiva integração europeia sempre foi a linha condutora para a definição de políticas destes dois partidos. Com pequenas nuances e alguma diferenciação, mas com muito seguidismo. Só que, pela primeira vez na história da democracia, seguidismo com a Europa poderá ser contraditório seja com a sobrevivência destes partidos, seja do regime e da democracia. Quem está disponível dentro do PS e do PSD para enfrentar esta questão que sempre foi a trave de consenso do regime enquanto "ideia fundadora" de um Portugal democrático?

A falta de consenso político aparente parece pois ser necessária para esconder a falta de capacidade para sequer tocar nesse outro consenso político mais profundo que existe entre PS e PSD.

Enquanto não se dá esse debate fundamental, temos outros importantes consensos a deteriorar-se a olhos vistos nomeadamente aqueles que ligam os portugueses às instituições políticas. O primeiro é o consenso em torno da democracia. A satisfação com a democracia e a confiança nas instituições políticas incluindo o governo está em queda livre. De forma nada surpreendente, o mais recente ranking da qualidade da democracia, publicado pela "Economist Intelligence Unit" coloca Portugal no conjunto das "democracias defeituosas" ("flawed democracies"). O segundo grande consenso em erosão é o do apoio ao projecto europeu que os dados do mais recente Eurobarómetro evidenciam. Também aqui a confiança nas instituições europeias e a satisfação com a pertença à UE exibem valores bem menores do que nas últimas décadas.

E finalmente, o apoio aos partidos do centro do espectro ideológico está em queda. O conjunto de votos que estes dois partidos conseguem ganhar é cada vez mais reduzido seja quando olhamos para os resultados eleitorais desde 2009, seja nas sondagens mais recentes.

É necessário pois olhar para a evolução da situação política em Portugal à luz deste quadro mais completo e actualizado do estado dos vários consensos políticos subjacentes ao regime político português e não apenas à relação mediática entre PS e PSD. Sendo assim, as manobras políticas da última semana parecem neutras ou mesmo nocivas para uma melhoria da situação política em Portugal.

Politóloga

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/045/13

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