Consenso(s) político(s)
Não é o governo que está em queda, é o próprio
regime que está em crise, e mesmo em risco de sobrevivência. Nesse
contexto mais alargado, as guerrilhas entre Presidente, PS e PSD fazem
menos sentido, só exprimem a incapacidade das instituições de fazer face
à situação que vivemos
O consenso é neste momento um pouco
como a seriedade. Quem é sério, é-o simplesmente, não anda a apregoar a
sua seriedade. De facto, já houve acordo entre Passos e Seguro, aliás
altamente elogiado lá fora, tanto pelos líderes europeus como pelos
jornais. Mas os acontecimentos da última semana – começando no discurso
polarizador do Presidente no 25 de Abril e acabando no Congresso do PS –
mostram no entanto que esse caminho está muito dificultado.
Nesta situação, como já escrevi anteriormente, cabe ao governo
tomar a iniciativa. Não é credível uma mudança de atitude mantendo no
governo o principal autor da desvinculação anterior em relação ao PS,
isto é, Vítor Gaspar. Sobretudo quando o governo se prepara para
anunciar cortes de 4 mil milhões de euros no Estado sem uma verdadeira
tentativa de coordenação prévia com o PS. Aquilo que se ensaiou, parece
um caso de "too little, too late".
Do lado do PS, o
distanciamento de Seguro é mais uma estratégia de forçar eleições para
formar governo do que uma mudança de políticas. Do ponto de vista do
curto-prazo e puro tacticismo pode parecer a escolha mais acertada para
Seguro.
Mas se olharmos melhor para o que se está a passar, não é
o governo que está em queda, é o próprio regime que está em crise, e
mesmo em risco de sobrevivência. Nesse contexto mais alargado, as
guerrilhas entre Presidente, PS e PSD fazem menos sentido, só exprimem a
incapacidade das instituições de fazer face à situação que vivemos.
E
é que a quebra no entendimento político entre Presidente, PS e PSD tem
de ser vista à luz da manutenção de um consenso de ferro que existe
entre os dois partidos e que Seguro não pôs em causa no último
Congresso: a continuação do apoio ao projecto europeu. A pertença à
Europa e a progressiva integração europeia sempre foi a linha condutora
para a definição de políticas destes dois partidos. Com pequenas nuances
e alguma diferenciação, mas com muito seguidismo. Só que, pela primeira
vez na história da democracia, seguidismo com a Europa poderá ser
contraditório seja com a sobrevivência destes partidos, seja do regime e
da democracia. Quem está disponível dentro do PS e do PSD para
enfrentar esta questão que sempre foi a trave de consenso do regime
enquanto "ideia fundadora" de um Portugal democrático?
A falta
de consenso político aparente parece pois ser necessária para esconder a
falta de capacidade para sequer tocar nesse outro consenso político
mais profundo que existe entre PS e PSD.
Enquanto não se dá esse
debate fundamental, temos outros importantes consensos a deteriorar-se a
olhos vistos nomeadamente aqueles que ligam os portugueses às
instituições políticas. O primeiro é o consenso em torno da democracia. A
satisfação com a democracia e a confiança nas instituições políticas
incluindo o governo está em queda livre. De forma nada surpreendente, o
mais recente ranking da qualidade da democracia, publicado pela
"Economist Intelligence Unit" coloca Portugal no conjunto das
"democracias defeituosas" ("flawed democracies"). O segundo grande
consenso em erosão é o do apoio ao projecto europeu que os dados do mais
recente Eurobarómetro evidenciam. Também aqui a confiança nas
instituições europeias e a satisfação com a pertença à UE exibem valores
bem menores do que nas últimas décadas.
E finalmente, o apoio
aos partidos do centro do espectro ideológico está em queda. O conjunto
de votos que estes dois partidos conseguem ganhar é cada vez mais
reduzido seja quando olhamos para os resultados eleitorais desde 2009,
seja nas sondagens mais recentes.
É necessário pois olhar para a
evolução da situação política em Portugal à luz deste quadro mais
completo e actualizado do estado dos vários consensos políticos
subjacentes ao regime político português e não apenas à relação
mediática entre PS e PSD. Sendo assim, as manobras políticas da última
semana parecem neutras ou mesmo nocivas para uma melhoria da situação
política em Portugal.
Politóloga
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/045/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário