A política abomina o vazio
O vazio é o resultado da incapacidade manifesta dos partidos designados
do arco da governação corresponderem, no exercício do poder, aos seus
compromissos programáticos e, ainda menos, à interpretação dos anseios
dos povos.
Estas incapacidades - de facto divórcios conscientes - geram um
sentimento de descrença e traição que desagua em expressões de repulsa
por parte dos cidadãos.
A traição é sentida não apenas por aqueles
que deram o voto a essas forças. Todos os que valorizam os mecanismos
de expressão e o funcionamento das instituições democráticas se sentem
traídos.
Os resultados das recentes eleições em Itália expõem
claramente esse vazio e evidenciam os bloqueios a que é preciso dar
resposta. Ali, como em Portugal, o tempo urge, sob pena de surgirem
perigosos descalabros na vida dos nossos povos e nações e se aprofundar
muito o retrocesso social, cultural, político e civilizacional que
estamos a viver.
Os italianos expressaram uma forte condenação das
políticas de austeridade e um crescendo do sentimento anti-União
Europeia, que surge cada vez mais aos seus olhos como uma espécie de
armadilha em que os países estão metidos, impedindo-os de realizarem
programas políticos de resposta aos problemas das pessoas, da economia e
dos seus objetivos de desenvolvimento.
Quatro outros aspetos,
muito relevantes, ficaram claros nestas eleições:
i) o sistema
político-partidário está esgotado e o regime abalado, mas são as forças
de direita e extrema-direita e as suas conceções fundamentais que surgem
a marcar a ofensiva;
ii) essas mesmas forças, enquanto estiveram no
poder, procederam às necessárias "reformas estruturais" ou a reacertos
de Regime que lhes continuarão a garantir forte presença no poder;
iii)
são enormes as fragilidades da grande área da Esquerda, onde surge um
Partido Democrático conformado e submetido e sem alternativa credível, e
uma dramática pulverização da representação mais à esquerda;
iv) o que
muitos italianos admitiram como alternativa ainda não o é, pois o
Movimento 5 Estrelas - marca registada - de Beppe Grillo não
consubstancia uma solução de futuro, de progresso.
Trata-se de um
fenómeno que importa analisar com muita atenção. Talvez não seja errado
considerar que uma parte significativa dos votos obtidos por Beppe
Grillo constitui uma herança sociológica de Esquerda, herança que,
entretanto, foi representada eleitoralmente, durante algum tempo, por
forças políticas claramente de Direita e populistas.
Analisando as
suas mensagens e programa observa-se que existem algumas propostas
justas e significativas doses de populismo (no sentido comummente usado
do conceito). Mas o argumentário político fundamental assenta numa
lógica dual, dicotómica, de divisão da sociedade que é falsa e muito
perigosa, em particular em situação de anomia social.
O ataque
indiscriminado aos partidos políticos, aos sindicatos, a instituições e
organizações diversas, sempre identificados com o "malévolo" sistema
instalado e com o odioso "regime", apresentando a sociedade na divisão
dicotómica entre os "instalados no sistema", onde também entram todos os
que têm emprego e os excluídos e precários que estão despidos de tudo,
constitui uma falácia e uma perigosa manipulação.
Objetivamente
desresponsabiliza os verdadeiros autores do desastre que acumulam cada
vez mais riqueza com as políticas nacionais e europeias prosseguidas, e
sustenta-se na ausência de uma análise das classes sociais e dos seus
papéis, bem como na não observação da evolução do processo de
estratificação social.
A situação de Portugal é diferente da de Itália, mas há similitudes.
Em
Portugal o vazio pode ainda não ser tão visível, mas está a formar-se
rapidamente. O domínio do Bloco Central de interesses e a persistência
de alguns em resumirem as alternativas a meras alternâncias destruirão o
que resta da sua credibilidade.
Entretanto, Passos Coelho, o seu
governo e as forças de direita avançam com as suas "reformas profundas
do Estado" e com as "reformulações do Regime" para, num "sistema
refundado", assegurarem para a direita e a extrema-direita o domínio da
sociedade no futuro. Foi isto que, com métodos e por formas um pouco
distintas, fez Berlusconi.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/03/13
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