24/02/2013

ANNE MARIE SLAUGHTER





O vindouro 
           século do Atlântico 

Os Estados Unidos estão em ascensão; a Europa está a estabilizar e ambos estão a aproximar-se. 

Foi essa a principal mensagem transmitida no início deste mês na Conferência de Segurança de Munique (MSC), que se realiza anualmente; uma reunião de grande responsabilidade com ministros da Defesa, ministros dos Negócios Estrangeiros, principais representantes militares, deputados, jornalistas e especialistas em segurança nacional de todo o género. 

 Os participantes são essencialmente oriundos da Europa e dos Estados Unidos; na verdade, quando a conferência começou, em 1963, centrava-se inteiramente aos membros da NATO. Este ano, no entanto, os principais representantes dos governos do Brasil, da Índia, da Nigéria, de Singapura, do Qatar e da Árabia Saudita juntaram-se à reunião, o que revela um importante sinal dos tempos. John McCain, senador dos Estados Unidos e candidato presidencial em 2008, lidera sempre uma grande delegação do Congresso rumo a Munique. 

Tipicamente, a administração dos EUA também envia o secretário da Defesa ou o secretário de Estado para proferir um discurso, que já é um ritual, a reassegurar aos europeus a força da aliança transatlântica. Este ano, o vice-presidente Joe Biden fez as honras da casa, injectando mais força na representação dos EUA. A conferência também incluiu um debate com um tema pouco habitual – “A prosperidade do petróleo e do gás dos EUA: As mudanças geopolíticas da energia”. 

O enviado especial dos EUA e coordenador de assuntos internacionais para o sector da Energia, Carlos Pascual, descreveu a “revolução energética interna norte-americana”: um aumento de 25% na produção de gás natural, o que poderá baixar o preço do gás, e uma produção petrolífera suficiente para reduzir as importações de petróleo em cerca de 40 a 60% do consumo, com um aumento previsto de 10%. Pascual projectou que os EUA estarão aptos a importar todas as necessidades energéticas do país, a partir do continente americano, por volta de 2030. 

Um recente estudo confidencial da Agência de Inteligência alemã levantou a hipótese de os EUA poderem se tornar de facto num exportador de petróleo e de gás, por volta de 2020, contrastando a posição actual que ocupa de maior importador energético do mundo. Essa distinção iria provavelmente abrandar a China, que ficaria cada vez mais dependente do Médio Oriente. Como um bónus extra, a proporção elevada do consumo de gás norte-americano tem reduzido as emissões de carbono para os níveis de 1992. 

O sentido de sorte norte-americano, uma frase que actualmente não é muito ouvida no mundo, aumentou com a descrição dos participantes de como os preços mais baixos da energia para a produção norte-americana tem um impacto positivo na competitividade da economia dos EUA. Como resultado, as reservas energéticas do país também se tornaram num chamariz para os investimentos. 

O ministro da Economia e da Tecnologia alemão, Philipp Rösler, disse que muitas empresas alemãs já estão neste momento a deslocalizarem-se para os EUA, devido aos baixos preços da energia. Igualmente importante, os participantes referiram a crescente importância do gás líquido natural relativo ao gasoduto, o que tem enormes implicações geopolíticas. Em poucas palavras, se o gás é exportado no estado líquido, é fungível. Por outras palavras, se a Rússia restringir a circulação de gás para a Ucrânia por motivos políticos, mas se o resto da Europa tiver gás de outras fontes, eles podem simplesmente revender o seu gás à Ucrânia e exportá-lo via Mar Báltico. Jorma Ollila, presidente da Royal Dutch Shell, descreveu o mapa mundial dos maiores depósitos de óleo de xisto e de gás. 

A própria Ucrânia tem a terceira maior reserva da Europa; outros países com grandes depósitos incluem a Polónia, a China, a Indonésia, a Austrália, a África do Sul, a Argentina e o México. E os EUA já estão à frente da Rússia como maior produtor de gás mundial. Todos estes dados chamaram a atenção do ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil, António de Aguiar Patriota. 

Num debate intitulado “As potências emergentes e a governação mundial”, Patriota referiu a discussão em torno da energia e mencionou que as potências emergentes não se devem esquecer de que “as potências estabelecidas não são potências que estão a afundar-se”. Em suma, a narrativa penetrante do declínio ocidental, subitamente inverteu-se. O horizonte também parecia mais prometedor do lado europeu. No debate aberto “A crise do euro e o futuro da UE”, prevaleceu o optimismo cauteloso. 

Ninguém achava que os problemas da União Europeia estavam resolvidos, mas também ninguém achava que a zona euro estaria a “desfazer-se”. Pelo contrário, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, deixou claro que a resolução dos alemães em olharem para a zona euro através dos seus problemas era firme. E um distinto economista da assistência, que muitas vezes predisse a extinção da zona euro, rapidamente mudou de ideias. 

Além dos relatórios sobre uns EUA em ascensão (não obstante a desgraça fiscal) e sobre uma Europa estabilizada (apesar dos problemas da moeda única europeia), a conferência realçou um discurso efectuado por Biden que foi muito além da retórica animadora que os governantes norte-americanos costumam oferecer nas capitais europeias. 

Biden disse ao público que o Presidente dos EUA, Barack Obama, acredita que a “Europa é o pilar do nosso envolvimento com o resto do mundo” e “o catalisador para a nossa cooperação global”. Biden salientou que a “Europa é o maior parceiro económico da América”, relembrando números que a administração de Obama focada na Ásia pareceu muitas vezes esquecer: “mais de 600 mil milhões de dólares em comércio anual que criam e sustentam milhões de postos de trabalho, no continente e no país, e cinco biliões em toda a relação comercial”. Biden chegou a sugerir “um acordo abrangente de comércio e investimento transatlântico”; uma semana depois, no seu discurso sobre o estado da União, Obama anunciou precisamente o início das negociações para tal acordo. Biden terminou com um discurso todo floreado. “A Europa continua a ser o parceiro indispensável da América de primeira escolha”, declarou. “E, perdoem-me alguma presunção, acredito que continuamos a ser o vosso parceiro indispensável”. 

Estas palavras de peso reflectem uma nova sensibilidade em Washington. Tal como a ex-secretária de Estado, Hillary Clinton, referiu num dos seus últimos discursos sobre a política externa, os EUA não estão a planear afastarem-se da Europa para a Ásia, mas sim juntarem-se à Europa até à Asia. A sorte do Ocidente está a aumentar, lentamente mas seguramente. Juntos, a Europa e os EUA representam mais de 50% do PIB mundial, têm a maior força militar do mundo, em muitos aspectos, e controlam uma proporção crescente de reservas de energia mundiais. 

Também têm uma capacidade diplomática e de ajuda ao desenvolvimento formidável, representando uma comunidade pacífica de democracias que partilham um compromisso comum com os direitos, a dignidade e o potencial de todos os seres humanos. Imaginem essa comunidade a estender-se à costa oriental da América Latina e à costa oeste de África. Poderá muito bem ser, afinal de contas, um século do Atlântico. 


Ex-directora da planificação de políticas no Departamento de Estado norte-americano (2009-2011), é professora na Universidade de Princeton 

Tradução: Project Syndicate 


IN "PÚBLICO"
21/02/13

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