O risco do século XXI
Os fundadores da União Europeia, tal como os que foram os pais da ONU, tiveram sobretudo em vista as guerras mundiais, que na mesma geração por duas vezes dizimaram a vida, as esperanças, os bens, as pátrias, de milhões de homens. Não lhes ocorreu, nem é fácil encontrar menção na longa teoria de utopistas da paz ocidentais, que fosse a crise económica a futura destruidora dos objetivos que animaram os sonhadores dessa paz.
A exploração económica foi evidentemente uma das facetas do colonialismo que sempre usou o recurso às armas, mas os projetos da paz que herdámos, que inspiraram alguns dos estadistas, não era desse erro que de regra se ocupavam, era do recurso às armas para impor as diferenças de interesses entre ocidentais, muitos deles componentes da fileira de colonizadores.
Todavia, e depois de meio século de guerra fria, são as finanças e a economia que se mostram responsáveis pelas calamidades também mundiais como as grandes guerras passadas, e embora os gestores do credo do mercado sejam discretos na identidade, existem sinais de que não são necessariamente governantes, detentores de um poder militar assustador.
De facto, se os EUA dão mostras de estarem em perda da posse simultânea do poder estratégico militar e do poder financeiro, embora estejam entre as causas da tragédia, não dão mostras de sentirem um temor igual aos dos europeus perante a situação calamitosa em que sucessivamente se vão abalando as componentes da solidariedade da União, com uma já espécie de Liga do Norte a supor-se salvaguardada, no que é de admitir que mais imagina do que se informa, impondo remédios que afundam as condições de vida dos povos abrangidos pela pobreza, mas sem cuidar em resolver os problemas de desgoverno da União.
É evidente que reparar o desgoverno, que se traduz em que vozes isoladas se sobrepõem aos fracos órgãos institucionais, é por isso mesmo uma tarefa dificílima, segundo a experiência sabida dos tempos, sobretudo porque não apareceram as lideranças inspiradas e inspiradoras que honram a modéstia de governantes pelo poder da criatividade.
É necessário dar espaço a essas vozes, não admitir como sendo um caminho aquele que adotaram o G7 (EUA, Canadá, Japão, Inglaterra, França, Alemanha, Itália), no intervalo acrescendo a Rússia, desmantelada a URSS, o G8 sem a China e sem a Índia, e finalmente a ambiguidade jurídica e institucional do G20.
Tudo enquanto as Nações Unidas parecem tender para serem um Templo de orações a um Deus desconhecido, porque, não obstante os talentos que por ali passaram, e a obra realizada pelas organizações especializadas, os seus objetivos são pouco servidos pelos recursos que lhe são devidos, as representações nos órgãos supremos, sobretudo no Conselho de Segurança, não são correspondentes à capacidade desses membros mais em vista pela majestade que formalmente lhe foi reconhecida, e entretanto, os chamados países emergentes ainda não parecem ter voz para que finalmente se proceda à reforma que muitos exigiram logo a seguir à fundação.
Admitindo que os governos mais em vista sabem do que falam quando invocam o globalismo, também não deviam ter dificuldade em admitir que sem governança não lhe regularão a evolução e as consequências dela, e que sem tal regulação é difícil que o regionalismo necessário, de que a União Europeia é o exemplo mais sonhado, também não encontrará facilmente o caminho de reformular a sua própria governança.
E vista a omissão, os riscos mundiais que se acumulam, incluindo a proliferação nuclear, mais os desastres naturais e técnicos, e a pobreza, fazem entretanto lembrar que o regresso à reinvenção de uma nova ordem foi no passado antecedido dos desastres chamados guerras mundiais. Não apenas os grandes doutrinadores do pacifismo, mas também os que tiveram o encargo de governar nesses tempos difíceis, e cujos nomes são pouco lembrados, procuraram instaurar uma paz duradoira.
É difícil, mas indispensável, tentar perceber que erro foi cometido, para que o risco não se repita.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
17/02/13
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