Um mediano Natal
e um ano novo cheio
de moderada felicidade
Cavaco tem sentido de responsabilidade na altura de formular votos de ano novo. Não deseja um bom ano, deseja um ano tão bom quanto possível.
Era o que faltava que o nosso povo, depois de ter passado anos a viver acima das suas possibilidades - segundo dizem pessoas que vivem, em geral, bastante bem -, ainda tivesse um ano novo melhor do que é possível
Eu gosto muito do Natal, pois ele dá-nos o leite e a pele para fazer sapatos.
Peço desculpa, entusiasmei-me com o ambiente de mensagens
natalícias pueris e baralhei duas redacções que estava a preparar. É
possível que a mensagem de Natal do Presidente da República tenha
exercido sobre mim uma influência muito nociva. Não sei se o leitor
teve a oportunidade de ver o vídeo. Está o casal de Cavacos em frente à
árvore de Natal, e diz ele: "O Natal é um momento especial para todos.
Ninguém fica indiferente ao Natal."
Depois, vê-se que deseja
acrescentar que gosta muito do Natal, pois ele dá-nos o leite e a pele
para fazer sapatos, mas retrai-se. Continua a dizer coisas sobre a
família, os que mais sofrem e a partilha fraterna. Enquanto isso, ela
vai concordando com a cabeça. A seguir, trocam. Enquanto ela diz coisas
sobre a família, os que mais sofrem e a partilha fraterna, ele
concorda com a cabeça. No fim, partilham fraternalmente os votos: ela
deseja a todos um Feliz Natal, ele deseja-nos um ano de 2013 "tão bom
quanto possível". Este momento é bastante comovente, por ser
verdadeiramente original.
A esmagadora maioria das pessoas costuma desejar "bom ano". Cavaco
tem sentido de responsabilidade na altura de formular votos de ano novo.
Não deseja um bom ano, deseja um ano tão bom quanto possível. Era o
que faltava que o nosso povo, depois de ter passado anos a viver acima
das suas possibilidades segundo dizem pessoas que vivem, em geral,
bastante bem, ainda tivesse um ano novo melhor do que é possível.
Cavaco não pactua com excessos de felicidade.
Quando se pensava que estava tudo visto no âmbito dos votos de boas
festas, o primeiro-ministro e o Governo foram ao Palácio de Belém
cumprimentar o Presidente. Todas as cartas de amor são ridículas, mas
não tanto como as saudações natalícias entre altos dignitários do
Estado.
A convivência da retórica política com o discurso normalmente
associado ao Natal produz um efeito que só a caridade natalícia
impediria de considerar caricato. Uma coisa é desejar "boas festas".
Outra é desejar "boas festas num quadro alargado de cooperação
institucional dos organismos políticos e democráticos". Pessoalmente,
achei a troca de palavras fraterno-políticas bastante engraçada. Mas
apenas tão engraçada quanto possível. Não gostaria de ultrapassar os
limites do possível, também na comicidade. Há que cortar um bocadinho
em tudo.
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